Entre
junho e setembro de 2015 conduzi encontros mensais no Centro de Artes da
Universidade Estadual de Santa Catarina, a convite do professor Stephan Baumgärtel.
Os participantes vieram da graduação e da pós graduação, vários deles atuantes
no programa de estágio do curso de Artes Cênicas - o PIBID.
Afeita
a um padrão de encontros semanais, onde o processo se desenvolve ao longo de
dois ou três meses, imaginei para o grupo de Florianópolis o trabalho em
unidades, dada a distância entre um encontro e outro. Postarei um registro de cada mês nas próximas edições do blog.
* _ * _ *
A
primeira das sessões foi intensiva. Durante as 8 horas, divididas entre a sexta
à noite e o sábado pela manhã, os escrevedores vivenciaram o estímulo inicial,
a escrita, a análise dos textos, o exercício cênico e sua avaliação. Para tanto,
julguei conveniente um trabalho em torno do eu e do personagem.
O
disparador inicial foi o levantamento de verbos e substantivos ligados a cada região
do corpo. O objetivo foi distribuir os motivadores e as ações do personagem em
lugares que não só o pensamento e a emoção. Ao deslocar a motivação da ação pudemos abordar as diversas conformações do personagem no teatro dito contemporâneo - figura, sujeito, enunciador, voz, etc. (1)
A seguir foi proposto o exercício
da silhueta, baseado numa das etapas da oficina de dramaturgia Sarah Kane no
Royal Court de Londres.
Silhueta - Vicente Concilio (Foto: Vicente Concilio) |
Delineado
o corpo de cada participante, foram buscadas e selecionadas imagens em revistas
que melhor se relacionassem com cada região do corpo. Sarah Kane desafiava os
alunos a escreverem sobre si mesmos no espaço interno da silhueta. Aqui, o
desafio foi a criação de um autorretrato feito com a técnica de recorte e colagem. (2)
Espera-se
que o processo de criação pictórica atue como uma referência quando da criação
escrita, dadas as semelhanças entre os dois tipos de composição. O escritor,
tal qual o artista plástico, opera com identificação e seleção de imagens,
ideias e palavras, por exemplo. Do mesmo modo, organiza esses materiais de
acordo com certos critérios, valendo-se de simetria ou assimetria, ritmo,
textura, oposição, contraste e um grande número de outros recursos.
Autorretrato pictórico de Vicente Concilio (Foto: Vicente Concilio) |
Ainda
na sexta-feira, após a apreciação coletiva das resultantes, todos foram convidados a elaborar um autorretrato escrito a partir da composição pictórica. Haveria liberdade com relação ao gênero escolhido, mas limitação de tamanho - deveria ser um texto curto.
O exercício da escritura a partir de
motivadores externos, tais como a elaboração e a apreciação de obras de artes
visuais, tem como principal função o deslocamento do estímulo criativo de
dentro para fora do escrevedor. Questionam-se conceitos como os de inspiração e
talento e traz-se à tona a ideia de um disparador criativo, de um levantamento
de materiais a serem conjugados a fim de se chegar a uma composição escrita.
Momento de escrita do texto (Foto: Vicente Concilio) |
A título de exemplo, um dos autorretratos nascidos no encontro, de autoria de Felipe Schaitel:
Schaitel
e seu Duplo
A sexta-feira foi concluída com a leitura
de todas as composições e a perspectiva de, na manhã seguinte, levá-las à cena.
Se os autorretratos basearam-se, em linhas
gerais, na composição referente ao “eu” de cada escrevedor, a formação de
duplas com vistas à cena teve como estímulo a elaboração do retrato de “nós”, a partir dos dois textos e de outros materiais eventualmente trazidos pelos participantes: poemas, canções e trechos literários que lhes fossem significativos.
Cena de Aline e Vicente |
Cena de Marcos e Luan (Foto: Vicente Concilio) |
Cada equipe escolheu um espaço cênico que
dialogasse com a proposta e, com isso, fornecesse mais um fio à dramaturgia. Um
fio a tramar com o material textual escrito por eles, as citações, o corpo, a
voz, as silhuetas, os verbos e substantivos, a relação com o público e tudo o
mais que pudesse configurar a experiência dramatúrgica como uma tessitura de
ações que não só o texto enunciado. (3)
Cena de Camila e Stephan (Foto: Vicente Concilio) |
Cena de Gisele e Fernanda (Foto: Vicente Concilio) |
De modo semelhante ao da criação pictórica
e escrita individual, para o processo criativo da cena os participantes
lançaram mão de identificação e seleção, recorte e colagem, organização, justaposição, descarte, decomposição e recomposição,
edição, etc. Em outras palavras, cada dupla tratou de compor a cena com os mesmos pressupostos das criações anteriores. (4)
Cena de Mariana (foto) e Beatriz (Foto: Vicente Concilio) |
Cena de Mariana e Beatriz (foto) (Foto: Vicente Concilio) |
As duplas tiveram 90 minutos para conhecer
o material, identificar ou arranjar
um espaço cênico sugestivo, elaborar o trabalho,
ensaiar e apresentar o trabalho ao público constituído pelos colegas de Ateliê.
Cena de Marco e Inês (Foto: Vicente Concilio) |
Cena de Erik e Ohanna (Foto: Vicente Concilio) |
Cena de Renata e Schaitel (Foto: Vicente Concilio) |
Gostaria de agradecer ao professor Stephan
pelo convite e pela interlocução, ao professor Vicente Concilio pela recepção, pela intermediação e pelos registros, e também aos corajosos participantes dessa viagem aparentemente sem
rumo que é a prática de um Ateliê. Foram apresentados textos de ótima qualidade
já no primeiro encontro, escritos em 20 minutos. As cenas também, sem exceção,
já mostraram se não uma configuração pronta – o que seria de se espantar em tão
curto prazo de realização – promessas de belos trabalhos a serem
desenvolvidos.
Trata-se de uma dinâmica perfeitamente aplicável em sala de aula, tanto que alguns bolsistas apropriaram-se de procedimentos e adaptaram-nos em seu estágio com boas resultantes.
Os muitos méritos, que sejam reputados aos bravos maratonistas. As falhas, que certamente ocorreram, foram minhas e que eu possa desenvolver ainda mais os Ateliês de Dramaturgia tomando-as como baliza.
Trata-se de uma dinâmica perfeitamente aplicável em sala de aula, tanto que alguns bolsistas apropriaram-se de procedimentos e adaptaram-nos em seu estágio com boas resultantes.
Os muitos méritos, que sejam reputados aos bravos maratonistas. As falhas, que certamente ocorreram, foram minhas e que eu possa desenvolver ainda mais os Ateliês de Dramaturgia tomando-as como baliza.
Adélia Nicolete
(1) Sobre o assunto consultar:
RYNGAERT,
Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. Trad. de
Andréa S. M. da Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
______,
SERMON, Julie. Le personnage théâtral contemporain: décomposition, recomposicion. Montreuil-sous-Bois: Éditions Théâtrales,
2006.
(2) Dois
exemplos de autorretratos exibidos na ocasião foram dos artistas
Jean-Michel
Basquiat e Leonilson.
(3) Sobre o tema consultar:
BARBA, Eugenio. Dramaturgia. In: BARBA, Eugenio, SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Tradução de L. O. Burnier et al. São Paulo-Campinas: Hucitec – Unicamp, 1995
(4)Sobre
esse tema consultar:
SARRAZAC, Jean-Pierre. (Org.) Léxico do drama moderno e
contemporâneo. Trad. de André Telles. São Paulo : Cosac e Naify, 2012.
Muito bom relembrar o Ateliê!
ResponderExcluirbjsss
Beijos para você também, visitante desconhecide! :)
ExcluirAdelia: Que delícia de "diário de bordo" - grudento e grudado! Adoro ler sobre processos assim, tão criativos e apaixonados! Espero de todo coração que sejam inumeráveis para o futuro, outros tantos Ateliês! Essa nobre junção da docência com o condutor me deixa muito feliz! Um grande abraço e siga postando, quem sabe isso não se transforma num livro - como um caderno de experientes vivências. Elaine
ResponderExcluirObrigada, sempre, Elaine. Se não registramos de alguma forma, é como se de nada tivessem valido nosso esforço e nosso empenho. Compartilhar é uma outra forma de semear. Você sabe muito bem de tudo isso. Um grande beijo.
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