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Paulo Ricardo Berton - Dramaturgo e Professor da UFSC Idealizador e curador do SBEDR (Foto: Galeria do I SBEDR) |
A imagem do dramaturgo como alguém do sexo
masculino, isolado em seu escritório diante de um teclado e rodeado por livros,
senhor da criação de um texto por ele imaginado e organizado do princípio ao
fim é praticamente puro exercício de ficção.
Cada vez mais as mulheres ocupam-se da escrita dramática
e a ideia de isolamento completo, embora não totalmente abolida, cede lugar à
permeabilidade das relações reais e virtuais, à interferência da tecnologia e
seus acessos, do vai-vem cena-texto-cena. Dramaturgo e dramaturga vêm-se, desde
o início do processo, em constante estado de negociação com intérpretes, com a
direção, com demais criadores e criadoras e até com o público. Todo esse
contingente, por sua vez, coloca-se em “estado de dramaturgia”, como sugere
Bernard Dort, ou seja, exerce por um período a “função dramaturgia” na medida
em que elabora ações que visem ao estabelecimento de um diálogo, de uma
comunicação. *
Aquele quadro sofreu uma significativa
transformação: autoras e autores não se encontram mais no vértice da criação. No
vórtice é que se posicionam agora. No equilíbrio precário das dinâmicas
compartilhadas, na polifonia criativa, numa horizontalidade que, observada ao
microscópio, é gráfico de eletrocardiograma.
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Camila Bauer - Diretora, Pesquisadora e Professora da UFRGS Curadora do SBEDR(Foto: Galeria do I SBEDR) |
Todo esse introito para justificar, mais uma
vez, a importância de eventos como o Seminário Brasileiro de Escrita Dramática –
Reflexão e Prática, em sua segunda edição esse ano. Durante cinco dias nós,
dramaturgas e dramaturgos, pesquisadoras e pesquisadores, professores e professoras, estudantes de escrita
dramática, editores, pudemos conhecer nossos pares e dialogar com eles nas
diversas mesas e discussões, conviver, comungar, enfim, o ofício.
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Manoel Candeias - Dramaturgo, Pesquisador e Professor da Faculdade Célia Helena
Curador do SBEDR
(Foto: Galeria do I SBEDR) |
Ainda somos poucos. Pouco se sabe de nós.
Quem sabe o que é dramaturgia e para quê “ela
serve”? Mesmo dentre os que fazem teatro, há uma ideia clara do que é
dramaturgia, de quais as funções de um dramaturgo? Num país como o nosso, com um grande número de analfabetos funcionais, ter acesso a vocábulos como esse (e a
seus significados) é de um requinte extremo.
Mas o que dizer do poder público? Fartos e “diplomados”,
quantos de nossos representantes, se colocados diante de um dramaturgo saberão
o que ele faz? Tanto que as pastas municipais na área da cultura,
quando existem, servem como moeda de troca dos acordos eleitorais, geridas por
profissionais de outros setores. As verbas para educação e cultura, em todos os
âmbitos, são as primeiras a serem racionadas – vejamos a Proposta de Emenda Constitucional
nº 55, recém aprovada, cujo apelido de “PEC do Fim do Mundo” dá bem o tom
trevoso que nos aguarda. E para coroar tivemos a extinção do próprio Ministério
da Cultura em 2016, reintegrado tão somente por força de protestos e ocupações.
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Ocupação da Funarte em São Paulo (Foto: Mauricio Pisane / FramePhoto / Estadão Conteúdo) |
No estado de São Paulo diversas Oficinas
Culturais fora do centro fecharam as portas, programas artísticos de longa data
e efetiva atuação foram sucateados, agentes de cultura, demitidos. Ações que
levaram tanto tempo para se integrar às comunidades e constituir acessos
qualificados, dissolvidas.
Em meio a uma forte sensação de terra arrasada,
como sobreviver e manter aceso o otimismo? Parece-me que um segundo tópico do
nosso Manual é o Aliciamento, em diversas de suas definições.
Quanto mais pessoas souberem do que trata a dramaturgia e de como ela está
presente não só no teatro, na TV e no cinema, mas também na publicidade, no
noticiário e nos cultos religiosos, por exemplo, mais a nossa função ganhará notoriedade e mais amplo sentido.
Portanto, como
“ato ou efeito de atrair, seduzir”, o
aliciamento para a dramaturgia passa pela divulgação dos mecanismos dramatúrgicos/fabulares presentes no dia-a-dia. Pela revelação dos
dispositivos geradores de empatia e de consequente consumo, seja de bens seja
de ideologias e comportamentos. Tal “revelação” é bom que esteja a cargo de dramaturgos
e dramaturgas, assim denominados, assim reconhecidos, capazes de trazer a "dramaturgia" para o vocabulário comum do cidadão.
Como “angariação de elementos para formação de um grupo”, o
aliciamento para a dramaturgia passa pela ampliação do número de interessados
pela atividade. Isso pode se dar em cursos e oficinas específicos, mas também nas
escolas formais em todos os níveis com a leitura e análise de peças; com a inclusão
da literatura dramática em feiras e mostras literárias, não só para a venda de
livros, mas para o diálogo com dramaturgas e dramaturgos. Trabalhamos sim com a
escrita, mas não somos escritores genéricos, temos uma especificidade: a
escrita verbal ou não para a cena e é preciso que isso fique claro se queremos
que nossa profissão sobreviva como tal.
O dicionário Houaiss define ainda aliciamento como “alistamento
de adeptos para determinada causa” o que, a meu ver, pode significar a
arregimentação de pesquisadores da área. Quantas são as publicações nacionais sobre
dramaturgia? Durante muito tempo a pioneira Renata Pallottini, poeta, dramaturga
e professora, foi a única nas estantes com seus dois títulos: “Introdução à dramaturgia”
e “Construção do personagem”. Muito lentamente temos cavado espaço para o tema, em
especial nas publicações periódicas ou em edições restritas, financiadas por
coletivos teatrais. Ainda assim é pouco e as pesquisas acadêmicas só
recentemente se debruçam sobre os processos criativos em dramaturgia, já tão distantes do quadro inicial dessa postagem, bem como da forma dramática convencional.
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Renata Pallottini (Foto: internet) |
Tais ações podem nos levar a uma última definição positiva
de aliciamento, aquela que implica no “ato ou efeito de instigar; incitamento”.
A apropriação dos meios expressivos da escrita dramática e do teatro, quando
devidamente orientada, tem o condão de despertar a crítica e, consequentemente,
gerar no indivíduo o desejo de mudança do estado das coisas. Para tanto, a Socialização do conhecimento, próximo
tópico do nosso Manual, torna-se necessária.
Instigar e incitar para a dramaturgia
e para o teatro é, sem dúvida, aliciar para a transformação de si mesmo e do
mundo, daí o sucateamento das ações culturais por parte do poder público. Afinal, como anunciou Darcy Ribeiro em 1977: "a crise da educação do Brasil não é uma crise, é um projeto". Um projeto de sufocamento e de embotamento das vontades, que só com muito otimismo é possível combater.
Adélia Nicolete
* Sobre o "estado de espírito dramatúrgico" e a "função dramaturgia" ver a seguinte postagem.