Para Cida Ferreira,
artista plástica, cenógrafa e figurinista
artista plástica, cenógrafa e figurinista
Charlie Logan (Foto: internet) |
Retomo
nesta postagem sobre Charlie Logan o compartilhamento de minha visita à
exposição Quando as cortinas nunca se
fecham : a arte da performance e o alter ego, no American Folk Art Museum de Nova York.
Charlie
é o quarto artista que apresento no blog. Assim como os anteriores (Rock N Roll, Eijiró Myama e Raimundo Borges Falcão), ele se
utiliza de materiais descartados para suas criações e como todos os demais
artistas da exposição, foi diagnosticado com algum tipo de distúrbio
psicológico. Seu trabalho meticuloso e de apurado senso estético permite que o
apreciemos como obra de arte, valendo-nos dos mesmos critérios de que lançamos
mão ao apreciar artistas aceitos numa faixa de normalidade, ainda que bastante relativa.
Nascido
em 1893 nos Estados Unidos, Charlie Logan viveu a maior parte do tempo na
cidade de Alton, no estado de Illinois, banhado pelo rio Mississipi. Era figura
familiar na localidade e pouco se sabe sobre ele antes de 1979, quando foi
“descoberto” ao acaso por Kenneth e Kate Anderson, casal de colecionadores de
arte popular e espontânea (autodidata, sem finalidade expositiva ou comercial).
Estavam por ali de passagem e sua atenção foi atraída pelo porte e pelos trajes
daquele homem:
“A
jaqueta era bordada com bandeiras, listras, ponto-cruz, cores e marcas de
maneira elaborada... Sua bengala, sua bolsa e seu chapéu eram tão decorados
quanto a jaqueta. Ele parecia enorme. Sua pálpebra direita estava fechada e
dela escorriam fluidos. Em uma mão ele segurava uma grande faca de açougueiro e
cortava tiras de sua jaqueta. Parecia um pirata caribenho com um olho só, um
pequeno cutelo na mão – uma roupa chamativa e botas pretas.” *
A
partir dali, Kenneth Anderson dedicou boa parte de seu trabalho ao estudo e à
preservação das criações de Logan. Tanto que, nos anos 1990, conseguiu que o Museu de Arte da
Filadélfia adquirisse boa parte do acervo (28 peças no total) a fim de exibi-lo
ao grande público.
Jaqueta "Saved" (Salvo) criada por Charlie Logan (Foto: internet) |
Depois de cinco anos de amizade com o casal, Logan revelou ter passado um bom tempo na
prisão, acusado de falsificar dólares. Ao sair de lá, esposa e filhos já tinham
partido e, sem casa nem família, ele passou a contar com uma pensão do governo e alimentando-se
graças à ajuda da comunidade, de quem também recebia pouso.
À semelhança
de Arthur Bispo do Rosário, Logan aproveitava todo tipo de tecido para a customização de suas roupas. Era com os fios provindos de
meias, lençóis e outras peças que recebia ou encontrava que o artista fazia
seus bordados. Botões, medalhas, etiquetas e outros adornos eram também material para os apliques. Mas não só isso, boa parte da decoração era feita com dinheiro, já que, para evitar assaltos, ele costurava moedas nas vestimentas e nos
assessórios:
“Ele
pegava duas moedas de 25 centavos, duas de 10 e duas de 5 centavos, fazia um
rolinho e as cobria com uma rede bordada... Os amuletos eram pendurados visivelmente
na borda de seus chapéus, mas não eram reconhecíveis como dinheiro e com dez ou
doze desses malotes caindo de seu chapéu, estava pronto para um dia fora. Ele
podia cortar o que precisasse e comprar algo para comer ou beber." **
Logan também
inseria moedas nas bengalas e mochilas, bem como nos relógios, braceletes de
pano, broches e anéis – todos feitos ou forrados com pedaços de tecidos e
fibras.
Chapéu criado por Logan e exposto no Museu da Filadélfia (Foto: internet) |
Interior do chapéu (Foto: internet) |
À medida
que encontrava novos materiais, Charlie Logan acrescentava-os às peças já
criadas, de modo que elas engrossavam e ficavam cada vez mais pesadas - se lembrarmos
que ele as expunha em seu próprio corpo, imaginamos o quanto se tornavam difíceis
de carregar. No entanto, com a mesma facilidade com que acrescentava elementos,
desfazia-se deles, oferecendo pedaços de seu traje a alguém com quem
simpatizasse.
Gravata, pingentes, broche e anéis do acervo de Charlie Logan (Foto: internet) |
Um exame mais atento de suas criações
levou alguns pesquisadores a atribuir ao artista algum tipo de conhecimento das
tradições africanas. Pelo uso recorrente de símbolos tais como a cruz; o coração,
presente na decoração haitiana; o cosmograma do Kongo, representação das fases
da existência (nascimento, vida, morte e ressurreição) no mundo ancestral; pelas
frases que inscrevia ou mesmo pelo uso cotidiano do bastão, Logan chegou a ser
considerado um verdadeiro “xamã” pelos mais entusiasmados.
Conjunto de peças - bastão, chapéu, bolsa e casaco "SIS" - 1978-1984 (Foto: Museu de Arte da Filadélfia) |
Perto da morte do artista, ocorrida em
1984, Keneth Anderson pediu ao enfermeiro que guardasse as roupas originais e, para
que não o enterrassem com elas, providenciou um terno novo. Embora viesse a se
sentir culpado por essa decisão, Anderson considerou que a arte de Charlie Logan deveria ser conhecida por um público cada vez maior.
Bastões customizados por Charlie Logan - observar moedas costuradas no bastão à esquerda (Foto: internet) |
Charlie Logan |
Sobre Charlie Logan ver
também:
http://accidentalmysteries.blogspot.com.br/2008/12/in-touch-with-shaman-charlie-logan.html
http://accidentalmysteries.blogspot.com.br/2008/12/in-touch-with-shaman-charlie-logan.html
Adélia Nicolete
* ROUSSEAU, Valérie. Charlie Logan. In: AMERICAN FOLK ART MUSEUM. When the curtain never comes down : performance art and the alter ego. New York: American Folk Art Museum, 2015. p. 64 (Tradução de Bernardo Abreu)
** idem, p. 66