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Parte do grupo e da equipe do Núcleo de Dramaturgia do SESI - Curitiba (Foto: Lucca) |
Há
algum tempo adoto nos Ateliês que conduzo a ideia de Dramaturgia não apenas
como produção de texto enunciado, mas como produção de cena. São experiências
que visam à quebra de paradigmas, principalmente para o/a próprio/a dramaturgo/a.
Alargar os limites de nossa atuação, ainda que seja para continuarmos a assumir a escrita de textos a serem enunciados.
No
Ateliê de Dramaturgia do SESC no Recife, há dois anos, por exemplo, foram
criados três projetos de Dramaturgia e Memória. Cada grupo fez um pitch* do
que pretendia e foi questionado pelos demais, a fim de aprimorar a ideia. O tema
foi o Mercado de São José, mas o exercício poderia ser aplicado ao
desenvolvimento de quaisquer projetos de dramaturgia. Confiram na postagem Mercado de São José - disputa simbólica no velho Recife.
Nos
dias 23 e 24 de agosto estive em Curitiba junto ao Núcleo de Dramaturgia do
SESI, coordenado por Lígia Souza Oliveira e Greice Barros. O grupo tem 12
participantes e as atividades já estão em andamento – palestras, oficinas, vivências
e acompanhamento de projetos. Tive total liberdade de ação e apenas dois
delimitadores: carga horária de nove horas e a América Latina como norteador. Segue uma brevíssima descrição do processo.
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Tecelagem andina processos de decolonialidade, pertecimento e geração de renda na região de Cusco - Peru |
Os
Ateliês que proponho nasceram da conjunção entre Artes Plásticas e Dramaturgia,
por isso decidi pelo diálogo com artistas latino-americanos, especialmente por
aqueles que estivessem à margem das galerias e museus, fora do mercado. Dentre
tantas possibilidades, a escolha recaiu sobre o Centro de Textiles
Tradicionales del Cusco, no Peru. É
evidente a analogia entre a tecelagem e a tessitura de ações que, no dizer de
Eugenio Barba, define dramaturgia.
Do
ponto de vista técnico, da tecelagem interessava-nos a compreensão de urdidura
e de trama e sua relação com a escrita. Do ponto de vista político, o movimento
realizado por um grupo de tecelãs e tecelãos peruanes em busca da recuperação
de suas tradições e, consequentemente, de sua identidade. “Quem somos nós?” teria
sido a pergunta geradora daquele movimento e também do nosso, agora, na
construção de uma cena.
Por
que a tecelagem cusquenha e não outra? Por um dado peculiar à sua herança
cultural: moças e moços em idade de noivar, encarregam-se de tecer algumas
peças a fim de exibi-las e conquistar um/a parceire. Em festas comunitárias, “performam”
suas habilidades técnicas e estéticas garantindo, assim, a perpetuação da
atividade têxtil e da própria coletividade. Seduzir
não seria também o nosso objetivo quando tecemos e performamos nossas
escritas em cena?
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Grupo pesquisa ações físicas |
A
ideia de buscar “quem somos nós” começou com a pesquisa de ações físicas – o primeiro
fio da tessitura cênica. Nela, cada participante foi convidade a identificar
seus verbos cotidianos e estabelecer uma trajetória física com eles. Na
sequência, elementos relativos a pensar,
sentir e querer foram levantados, de modo a constituir uma série de fios a
serem tramados na urdidura da escrita. A eles foram acrescidos
outros mais, da esfera da própria linguagem.
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Janaína a tramar os fios do texto |
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Beatriz, Val e Gessé a tecer seus textos |
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Izabela em escrita |
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Sandoval em escrita |
A partir desse levantamento e de discussões a respeito, um pequeno texto foi escrito e submetido a um/a colega com vistas à reescrita.
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Alan e Carlos em audição |
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Duplas em audição - à frente, Janaína e Juliana |
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Duplas em audição |
Outro fio - o do texto enunciado - foi criado: na grande urdidura da cena, tramamos também o fio da voz, na medida em que leram cada um/a o texto de outrem, depois de analisado e ensaiado. Dramaturgxs intérpretes. Restava-nos compor a rapsódia.
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Fernando ensaia texto de Val |
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Val ensaia texto de Sandoval |
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Gessé ensaia texto de Alan |
À
dramaturgia foram acrescidos um figurino e a trilha sonora. Ao final da experiência
de escrita/tessitura cênica, corpo, texto enunciado, voz, figurino, sonoridade e espaço
constituíram “Quem somos nós”. Em menos de nove horas formatamos um espetáculo ou performance de 45 minutos num
processo prazeroso e carregado de afeto, com a participação de vários não-atores
a se aventurarem na cena. Com apenas alguns ensaios mais, teríamos um trabalho digno de exibição ao público e ele seria seduzido pelo que nos dedicamos a tecer.
Predisposição ao risco é essencial à Arte e não faltou ao grupo. Trouxe para casa a alegria de mais um Encontro memorável propiciado pelo Teatro. Só quem já fez é que sabe! Teatro faz bem à alma!
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Lígia, Karina e Lucca - equipe do Núcleo De Dramaturgia do SESI |
Agradeço
Lígia e Greice pelo convite e recepção, Karina e Lucca pelo suporte e presença.
Um abraço apertado em cada participante. Aquelas vozes que ressoaram no palco às escuras
moveram mundos.
Até a próxima.
Adélia Nicolete
* Pitch, um termo inglês, é a apresentação de uma ideia ou projeto a fim de convencer o público de suas qualidades.