Vivian Maier - San Francisco - 1978 |
Conforme abordei na postagem anterior, um dos principais objetivos do Ateliê de Dramaturgia é desviar o foco criativo do interior de cada participante para o mundo externo a fim de que a noção de talento ou de inspiração, por exemplo, possa ela também ser desviada para outras situações que não a da escrita. Mundo externo, no caso do Ateliê conduzido na UDESC, equivale a dizer artes visuais.
De que modo suscitar no escrevedor
motivações estéticas que despertem ideias, lembranças, cenas, sensações, referências
suficientes para, depois de selecionadas e organizadas, ressurgirem em forma de
material textual?
Vivian Maier - San Francisco - 1971 |
Em minha segunda atuação na UDESC, em
julho, planejei apresentar e refletir sobre alguns aspectos do trabalho de
dois norte-americanos: a fotógrafa e videomaker Vivian Maier e o performer e artista plástico Jean-Michel
Basquiat. O grupo foi orientado a assistir previamente ao documentário “A fotografia
oculta de Vivian Maier”, de John Maloof e Charlie Siskel *, e a visitar o site
dedicado à sua obra.**
Depois de uma breve conversa sobre o filme e as fotografias da artista, apresentei um estudo comparativo entre alguns de
seus trabalhos e os de Basquiat, tendo como base a biografia dos dois
nova-iorquinos e, como fio condutor, a dramaturgia e a cena contemporâneas em seus procedimentos e resultantes para além da forma dramática. Chamei em meu auxílio Roland Barthes e seu conceito de punctum, bem como textos de Jean-Pierre Sarrazac e Jean-Pierre
Ryngaert, entre outros pesquisadores.***
Jean-Michel Basquiat - Notário - 1983 Justaposições, sobreposições, polifonia, materialidades diversas... |
Vivian Maier - Nova York - 1971 Sobreposição, espelhamento, camadas de informação, presença-ausência... |
Ao analisarmos certas obras de Maier e Basquiat, pudemos
identificar o trabalho em camadas, polifonia e rapsódia, a presença do autor, a
performatividade, a posição do espectador e tantos outros elementos caros ao teatro
atual.
A seguir foi apresentada uma fotografia que,
depois de analisada coletivamente pelo grupo, motivou a escrita de uma
narrativa em terceira pessoa. Se em nosso primeiro encontro nos concentramos no
eu/autorretrato (gênero lírico), naquele momento exercitaríamos, tal qual Vivian Maier, o nosso
olhar para O Outro, e trataríamos o texto de uma forma épica.
Foto: Vivian Maier Imagem utilizada como referência para a escrita de narrativas |
Os textos foram lidos e analisados por todos os escrevedores a fim de que se encaminhasse a reescrita.
Uma possível continuidade do exercício seria a escolha de uma série de retratos realizados pela fotógrafa. Distribuídos entre os participantes, cada um deles motivaria a imaginar a situação em que foram tirados. Tais situações gerariam cenas a serem fisicalizadas ou escritas, a fim de compor um grande painel da metrópole, com posterior pesquisa de sonoridades, coralidade, movimentação coreográfica, etc.
Em etapa mais avançada, os escrevedores, de celular em punho, flagrariam eles mesmos O Outro numa excursão pelo centro ou lugares de afluxo de pessoas. Materiais textuais seriam gestados a partir da análise das imagens, ou seja, o participante vivenciaria a criação em diferentes linguagens, integrando-as em sua ação.
Ficam as sugestões.
Adélia Nicolete
* O filme legendado pode ser assistido no endereço abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=zATFOwuBtjY
** http://www.vivianmaier.com
*** BARTHES, Roland. A câmara clara. São Paulo: Saraiva
RYNGAERT, Jena-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes
______. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes
SARRAZAC. Jean-Pierre. O futuro do drama. Portugal: Campo das Letras