sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

III Ciclo de Estudos de Dramaturgia Contemporânea: Solos Brasileiros - projeto



Breve histórico

Em 2010, por ocasião de meu processo de doutoramento, surgiu a necessidade de um mergulho na dramaturgia contemporânea. Um estudo aprofundado que, se feito de modo solitário, seria enfadonho e  resultaria limitado. Por que não formar um grupo e compartilhar saberes e descobertas? Assim foi proposto o I Ciclo de Estudos de Dramaturgia Contemporânea, realizado em espaço cedido pela FAINC (Faculdades Integradas Teresa D'Ávila, de Santo Andrá), com amigues e ex-alunes do curso superior e de oficinas de teatro. Durante dez encontros, abordamos o período entre o Teatro do Absurdo e os anos 1990, com foco na dramaturgia internacional - tinha-se como ponto pacífico a inexistência de uma dramaturgia nacional para além da forma dramática... Analisamos peças teatrais, comparamos autores e suas biobibliografias, debatemos e fizemos exercícios criativos em escrita. Boa parte do trabalho (que deixou saudade, mas não deixou fotos) está registrado no blog papelferepedra.

Tese defendida, sete anos depois o panorama era bem outro: tínhamos efetivado uma dramaturgia contemporânea em terra brasilis, ponto pacífico! Chegara o momento do II Ciclo de Estudos, realizado em espaço cedido pela ELT (Escola Livre de Teatro de Santo André): seis peças analisadas, processos criativos e espetáculos estudados, bem como textos paralelos - e nenhuma foto! O chamado feito pelas redes sociais atraiu interessades em sua maioria desconhecides entre si, todes ex-alunes, porém.

Em 2018 fui convidada a conduzir um Ateliê de Dramaturgia em São José dos Campos e o formato escolhido para os exercícios criativos foi o solo teatral. Do processo, finalizado com a leitura cênica de um texto solo, brotou o desejo de aprofundar a pesquisa de modo compartilhado, ou seja, por meio de um III Ciclo de Estudos de Dramaturgia Contemporânea. Mas dessa vez, os planos seriam um pouco diferentes.



Nova edição

O formato solo tem se mostrado cada vez mais presente na cena brasileira. Longe de ser uma simples tendência, o volume de produções é decorrente de um conjunto de fatores, sejam eles econômicos, estéticos, históricos, técnicos e/ou políticos. Trabalhos autorais em sua maioria, partem muitas vezes dos desejos pessoais de seus criadores e criadoras – pulsões autobiográficas, interesses de pesquisa, questões éticas, revisões históricas e assim por diante – e podem ser desenvolvidos de modo radicalmente solitário ou contar com o apoio de outres artífices. Seja como for, revelam-se uma oportunidade para o exercício de múltiplas funções e para o domínio do fazer teatral como um todo, prestando-se à comunicação direta com o público e, em certos casos, ao atendimento de urgências, desassistidas pelas grandes produções.

Com a finalidade de estudar alguns solos teatrais nacionais, seus processos criativos, os espetáculos resultantes, materiais de apoio e, para além disso, com o objetivo de fomentar a criação de trabalhos nesse formato, contamos esse ano com a parceria do NED-ABC (Núcleo de Experimentos em Dramaturgia) e da Cia do Nó de Teatro, de Santo André. Núcleo de Experimentos em Dramaturgia. Tal associação visa a ampliar o público participante, ocupar a sede da companhia e dar-lhe visibilidade, bem como ao Núcleo de Experimentos. Dessa forma, uma iniciativa antes individual e isolada, ganha contornos de ação coletiva e perspectivas de continuidade.

A dinâmica dos encontros será colaborativa e para que os estudos se efetivem com excelência, cada participante compromete-se com a análise dos textos e vídeos propostos, com a discussão em sala, bem como com a exposição de temas que tomar sob sua responsabilidade.
Ao final, pretende-se que o grupo possa estabelecer um pacto de continuidade do processo a fim de constituir um coletivo que acompanhe as criações de solos decorrentes do Ciclo.


Programa

Longe de esgotar o tema e abarcar um grande número de produções, decidimos delimitar os trabalhos por áreas. Centralizaremos a discussão em um projeto e tomaremos os demais de cada área como referência para a discussão. Pretende-se que os materiais disponibilizados e as reflexões promovidas em sala poderão, de acordo com cada participante, basear o estudo de outros casos e a criação de novos projetos.

Encontro 1: Apresentação do projeto, da condutora e des participantes. Levantamento de referências pessoais com relação ao tema e de desejos criativos com relação ao formato. 
Sistemática de trabalho. Atribuição de pesquisas. Distribuição de material. Cronograma. 
Introdução ao tema. Primeiras reflexões.

Encontro 2: Biografia, autobiografia, subjetividades – solos e autoescrita performativa

Encontro 3: Solos e literatura – obras literárias, escritoras e escritores como base de criação

Encontro 4: Solos e pesquisa – motivações estéticas, sociais, históricas, entre outros disparadores de pesquisa e de criação

Encontro 5: Solos e performance – o corpo, a voz, o espaço, a relação com o público, a performatividade como um dos elementos criativos fundamentais. Conclusão do Ciclo e perspectivas futuras.



Serviço

Público alvo: atuantes ou interessades em dramaturgia, direção, interpretação, crítica e pesquisa teatral. As participantes que tiverem filhos e precisarem trazê-los, poderão se inscrever e estabelecer redes de cuidados durante os encontros

Dias: segundas-feiras 18 e 25 de fevereiro, 11, 18 e 25 de março

Horário: das 14h às 17h

Prazo de inscrição: até 11 de fevereiro

Local: Cia do Nó de Teatro - Rua Regente Feijó, 359a - Vila Assunção - Santo André - tel.: 4436-7789

Inscrições: consulte este link.

Outras informações e inscrições: nedramaturgia@gmail.com


Adélia Nicolete




  


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

"Peixes" de Ana Régis - Leitura Cênica


Conheci Ana Régis tem cerca de 20 anos no projeto Oficinão do Galpão Cine Horto, lá em Belo Horizonte. Estávamos em 1999, às vésperas de “comemorar” os 500 anos de “descobrimento” do Brasil e o diretor e ator Julio Maciel propôs ao núcleo de aprendizes a criação de um espetáculo sobre o tema, que resultou em "Caixa Postal 1500". Ana, que era do elenco, passou, projetos depois, à equipe de dramaturgia. Bacharel em Letras e professora do ensino formal, percorreu e ainda percorre a cena, a direção, a dramaturgia e a produção – desempenhos fundamentais ao desenvolvimento de “Peixes”, seu solo teatral.

Divulgação do espetáculo quando de sua exibição na Sala Solo
Galpão Cine Horto - Belo Horizonte



Em meados daquela década trabalhamos juntas em “Rubros: vestido-bandeira-batom”, ideia sua em que trabalhei na dramaturgia - algo tão marcante para nós, capaz de render teatro, um projeto de cinema e muitos sonhos mais. O fato é que não nos desgrudamos, mesmo morando em estados diferentes. Daí que em 2015, Ana Régis comunica-me uma pesquisa em curso e o desejo de construir com ela uma peça teatral. A primeira versão já estava pronta e gostaria de partilhá-la com amigues a fim de escutar opiniões. Leio “Peixes” – nome então provisório – e fico encantada com o trabalho da amiga, mas ao mesmo tempo impactada por tratar-se de texto baseado em entrevistas e consultas a noticiário: a pedofilia, a violência doméstica, o assédio moral e psicológico.

Eu e Aninha, quase 20 anos depois do primeiro encontro
(Foto: Chico Pelúcio)


Faço algumas observações e travamos um diálogo sobre o processo de escrita e sua estrutura. A dramaturga ainda resistia ao material, por tratar-se de um tema doloroso. Os intervalos entre as versões, porém, mostraram-se produtivos na medida em que a autora (pesquisadora, atriz, diretora, produtora) lidava com os conteúdos, “cozinhava” em fogo brando personagens, situações, tempos narrativos, técnicas e recursos. Alquimia que deu origem a uma terceira versão a ser levada à cena. Dava-se às luzes "Claudia", a narradora, porta-voz de tantas meninas e mulheres mundo afora.

Ana operou com seus próprios recursos financeiros. Ensaiou em casa nas horas vagas, sozinha ou diante de convidades. Testou a presença de um representante da plateia em cena, avaliou, tomou decisões, até que o processo iniciado em 2015 tomou forma e estreou em dezembro de 2017 no Teatro de Bolso do Teatro Cine Brasil Valourec, em BH.

Ana conta com a participação de um educador como parceiro de cena
Centro Sócioeducativo São Jerônimo - BH
(Foto: Arquivo pessoal da atriz)

Desde então, “Peixes” tem sido apresentado para os mais diversos públicos, seguido sempre de alguma forma de debate. Ana vai aonde a solicitam. A narrativa de sua personagem tem o dom de suscitar lembranças pessoais, provocar revolta, ativar o desejo de denúncia. Há em todas as sessões depoimentos do público a gerar cumplicidade e solidariedade. Brota a indignação genuína frente a um estado permanente de violência contra a mulher e contra a infância, o que torna impossível sair de uma sessão do espetáculo sem refletir sobre estratégias de defesa e de proteção às vítimas. Nesse sentido, o solo teatral de Ana Régis cumpre a importante missão de abordar um tema urgente, bem como de nos tirar da apatia com relação a ele.

Apresentação de "Peixes" na Paróquia Olhos d'Agua - Pilar
(Foto: Arquivo pessoal da autora)
Apresentação na Escola Estadual Mario Elias - Contagem - BH(Foto: Arquivo pessoal da autora)
Quando fui convidada a apresentar um texto para leitura dramática durante a 8ª edição do evento Noites em Processo, na Fundação Cultural Cassiano Ricardo em São José dos Campos, decidi-me por sugerir “Peixes”, de Ana Régis. A leitura haveria de ser a culminância do Ateliê de Dramaturgia Solo, cujo disparador foram as urgências pessoais de cada participante. Dessa forma, a urgência da artista mineira bem poderia ser uma referência para todes nós e para o público.

Leitura cênica de "Peixes"
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
16 de dezembro de 2018
(Foto: Paulo Amaral / FCCR)




A artista plástica Dani Akemi aceita o convite para ser a "terapeuta"
(Foto: Paulo Amaral / FCCR)


Parte do público presente à leitura
(Foto: Paulo Amaral / FCCR)















Antes da leitura, compartilhei com os espectadores parte do processo criativo e da circulação do espetáculo e após sua realização, a palavra foi aberta a todes. Confirmou-se o impacto da dramaturgia, mesmo que apenas em leitura. O texto de Ana Régis mostra-se de uma urgência cada dia maior e entre seus méritos está o de tratar com delicadeza situações de brutalidade extrema. Micropolítica ativa, que seja apresentado cada dia mais.

A atriz Lucilene Dias lê uma carta denúncia
compartilhada com a dramaturga depois de assistida uma sessão
de "Peixes" em Belo Horizonte.
A carta fora enviada a dois abusadores e a seus familiares,
motivada pelo espetáculo.



Agradeço à autora pela cessão do texto e de materiais referentes às apresentações. Muito obrigada a Wangy Alves e a Atul Trivedi pelo convite, à Dani Akemi pela cumplicidade na leitura, à Lucilene Dias e à equipe de produção. Obrigada, Rodrigo Morais Leite pela análise crítica e ao público presente agradeço pela atenção e pelo debate, gravado e posteriormente enviado a Ana Régis.

Adélia Nicolete