Iniciei
a pesquisa do que denominei Dramaturgia do Descarte em 2015, a partir da
interlocução entre dramaturgia e artes plásticas. A princípio, chamou-me a
atenção o descarte em grandes dimensões e sua apropriação “dramática” por
artistas visuais, como pode ser conferido nessa postagem. A seguir, a
exposição “When the courtain never comes down”, no American Folk Art Museum de
Nova York, levou-me a refletir sobre a apropriação e a reconfiguração de
descartes menores e seus equivalentes numa dramaturgia já constituída, algo que
pode ser visto nas postagens sobre os artistas RockNRoll, Eijiró Miyama e Papa Palmerino, sempre associados a autoras/es de teatro.
A
ideia principal é que, assim como a sociedade do consumo gera um excesso de materiais
descartados a serem reapropriados e ressignificados por artistas plásticos, os inúmeros
descartes da sociedade da informação geram literatura e dramaturgia.
Participantes durante intercâmbio de materiais |
Entre setembro e outubro de 2019 conduzi um Ateliê de Dramaturgia do Descarte no Sítio Cultural Alsácia, em Ribeirão Pires. Foram três encontros onde pudemos discutir textos teóricos, ler e analisar textos cuja poética vale-se do arranjo de descartes e, por fim, coletar materiais de fontes diversas e arriscar uma proposta formal com eles.
Dentre
a referências teóricas, tomamos da modernidade pelo olhar de Walter Benjamin a
ideia do historiador como “trapeiro” – aquele que recolhe e junta os
retalhos/acontecimentos e compõe com eles a História. De Jean-Pierre Sarrazac
tomamos o conceito de autor-rapsodo e os estudos de coralidade e de multiplicidade
de vozes no teatro, bem como os recursos compositivos da dramaturgia contemporânea.
Usamos a técnica de world café para a partilha de materiais |
A fruição e o estudo de poéticas do descarte contou com exemplos recolhidos em Arthur Azevedo, Ana Cristina César, Clarice Lispector, Bob Perelman, Lívia García-Roza, Tarso de Melo e Manoel de Barros. Na dramaturgia, peças de Peter Handke, Heiner Müller, Ana Luísa Santos e Victor Nóvoa.
Participantes do Ateliê |
Foi
proposto como atividade prática que cada participante buscasse no dia-a-dia
descartes de seu interesse nas mais diversas fontes – redes sociais em geral,
transporte coletivo, aplicativos de mensagens, buscas na internet etc – e que
montasse um dossiê.
O
material seria partilhado em grupo e se tornaria de uso comum. A partir de
certos critérios de seleção, ele seria depurado e resultaria em um projeto coletivo de dramaturgia cujos recursos poderiam ser, entre ouros, colagem e montagem, justaposição ou sobreposição, fragmentação, repetição, simultaneidade, sequenciamento.
Durante o Ateliê, compartilhei com o grupo o processo de escrita da peça "Futebol Arte", de minha autoria, cuja premissa é a dramaturgia com descartes pré e pós-eleições de 2018. Na próxima postagem do blog, apresentarei o memorial descritivo da peça, que terá leitura cênica realizada no Sesc São Caetano em 27 de março.
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Agradeço a William Costa Lima e Marc Strasser por acolherem o Ateliê no Sítio mais uma vez e a todes participantes pelas trocas, fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa.
Adélia Nicolete