Palestrantes e parte do público presente na abertura do Fórum (Foto: acervo do Grupo Teatral Pontos de Fiandeiras) |
No dia 6 de
abril de 2016, o Grupo Teatral Pontos de Fiandeiras promoveu um encontro de
abertura do I Fórum de Coletivos Teatrais do ABC Paulista. Reuniram-se no Museu
de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa representantes de coletivos e
público em geral para a discussão de um tema que congregasse a todos: a
dramaturgia e a cidade. Para a mesa de abertura foram convidados artistas de três
gerações, que tomaram as cidades da região como referência e território para
seus trabalhos: José Armando Pereira da Silva, Luís Alberto de Abreu e Solange
Dias. O objetivo foi apresentar um panorama histórico das ações e inspirar novos
movimentos. Reuniões aconteceram nas três semanas seguintes e, dentre tantas
sugestões de fortalecimento da rede, uma foi o compartilhamento de saberes
entre os coletivos.
Entre 24 de
abril e 29 de maio desse ano, sempre às terças-feiras, ocupamos a Cia do Nó de
Teatro (http://ciadono.com.br), em Santo André, com o Ateliê de Transcriação Teatral – um
compartilhamento de saberes a partir de minhas pesquisas e experiência e de exercícios práticos. A transcriação, no caso, refere-se à transposição de um ou vários textos literários para a cena, respeitando ao máximo as características do primeiro, mas adequando-o aos elementos da nova linguagem. Diferente da adaptação, a transcriação solicita o conhecimento do “projeto do autor”, como aponta a pesquisadora Linei Hirsch, ou seja, um estudo de vida e obra, a fim de tornar a proposta resultante o mais próxima possível do autor original.
Parte do material de referência para a transcriação foi encontrado nesse volume |
Plínio Marcos foi o escolhido para as nossas incursões. O autor santista
ficou mais conhecido pela sua dramaturgia, no entanto foi ator, jornalista e
cronista de larga produção. “Repórter de um tempo mau”, como ele mesmo se
classificava, deixou textos publicados em jornais e revistas que fazem paralelo
com as peças teatrais, além de comprar brigas, provocar polêmicas e explorar
com largueza o tom poético. Considerei que seria um bom desafio trazer algumas
crônicas à cena a fim de dialogar com o tempo mau presente.
Começamos
por um apanhado biográfico e um estudo de parte da dramaturgia de Plínio, em especial as peças de forma dramática
mais acentuada tais como “O abajur lilás”, “Navalha na carne” e “Homens de
papel”. As peças foram analisadas e um primeiro exercício de transcriação
pictórica, proposto. Em seguida, lemos e estudamos o conto “O terror de Roma”,
do italiano Alberto Moravia e a peça “Dois perdidos numa noite suja”, nele
inspirado. Plínio Marcos não chegou a fazer uma transcriação, ao contrário,
tomou como base alguns tantos elementos fundamentais e ambientou a trama num
tempo-lugar outros, alcançando, com isso, uma criação até certo ponto descolada
do original. Não importa, o fato de nos determos no raciocínio criativo do
autor nos aproximou um pouco mais de seu “projeto” e dos modos de se levar literatura à cena.
Primeiro encontro do grupo (Foto: Elaine Perli Bombicini) |
Chegou a hora da leitura e da análise de algumas
crônicas a fim de escolhermos pelo menos uma para o desenvolvimento da
transcriação - um momento para nos determos nos elementos capazes de suscitar o
interesse cênico, além de examinarmos as relações com a produção dramatúrgica
de Plínio Marcos. A crônica escolhida para o exercício foi “Coisas da vida”, de
tom poético acentuado a contrastar com a dureza dos personagens e da situação.
Próximo passo: desenvolvimento de um cannovaccio (roteiro de ações) em grupo, que levasse em conta não só a crônica escolhida, mas todo o material estudado e demais hipertextos possíveis. O processo foi norteado pela pesquisa de Linei Hirsch* e diversas atualizações possíveis com relação às novas confirgurações para além da forma dramática.
Juliano, Carina, Otávio e Vítor (Foto: Elaine Perli Bombicini) |
Rodrigo, Elaine e Esdras |
Carolina, Sila, Lucas e Celina |
O último encontro foi dedicado à apresentação do
conceito e dos roteiros, discussão geral dos projetos e, para minha satisfação,
ao desejo de continuidade do exercício: aperfeiçoamento do cannovaccio e, com
sorte, dos textos transcriados.
Lucas, Sila, Celina e Carolina apresentam seu projeto (Foto: Elaine Perli Bombicini) |
É surpreendente verificar as diferentes
abordagens possíveis de um mesmo material. Cada um dos três grupos aprofundou
leituras específicas, mas complementares, perfeitamente conjugáveis entre si. O desejo de dar prosseguimento às criações atende a um de meus principais objetivos: o de apresentar a transcriação como um procedimento original de trabalho em dramaturgia.
Os outros objetivos creio que também foram alcançados. Reunimos durante cinco encontros artistas de diversos grupos e áreas, compartilhamos saberes e materiais, habitamos uma das sedes de grupo do ABC e planejamos a próxima ação: um ciclo de estudos sobre dramaturgismo, tema inédito na região.
Plínio Marcos |
Agradeço ao Esdras Domingos e à Cia do Nó de Teatro pela acolhida, aos participantes pela troca intensiva e pela alegria reinante, prova dos nove, seja em que tempo for.
Obrigada, Plínio Marcos, pelas reportagens à sua maneira polêmica, contundente, por vezes contraditória, mas que ainda falam tão de perto ao nosso tempo e nos encorajam a também falar.
Adélia Nicolete
* HIRSCH, Linei. Transcriação teatral: da narrativa literária para o palco. In: Percevejo, nº9, ano 8, 2000, p. 150-154