Para o professor Stephan Baumgartel
por sua imensa contribuição para o estudo
da dramaturgia contemporânea brasileira
Formamos um grupo de 12 pessoas que em onze encontros, de março a junho de 2010, analisamos de Samuel Beckett a Sarah Kane, além de estudar
um bom número de teóricos e, não bastasse, criarmos materiais textuais e
reflexivos que alimentavam um blog.
Passados sete anos daquela experiência tão gratificante surgiu
a vontade de organizar um novo Ciclo, dessa vez centrado na produção contemporânea
brasileira. O critério para a seleção dos textos foi bastante claro: como a dramaturgia
tem respondido às questões históricas?
Silvero Pereira em cena de "BR-Trans" Coletivo As Travestidas - Fortaleza Dramaturgia: Silvero Pereira Direção: Jezebel de Carli |
Foram analisados ao todo seis textos que procuraram abarcar
diferentes estados brasileiros; autores de diferentes raças e orientações sexuais, cuja escrita foi individual ou colaborativa. Muitos outros textos seriam possíveis, mas tivemos de nos ater a seis encontros apenas. A dramaturgia foi
analisada a partir da conjunção texto escrito-encenação, seja por meio de
vídeos, seja na fruição ao vivo, como foi o caso de "Mata teu pai”, de Grace
Passô.
O grupo contou em média com dez participantes, que ocuparam
uma das salas da Escola Livre de Teatro de Santo André entre abril e junho
desse ano. “BR-Trans”, de Silvero Pereira, foi o primeiro trabalho analisado e
respondeu aos recordes de violência ligada à homofobia no Brasil.
Procuramos em cada análise refletir sobre os modos como o processo criativo determinou, ainda que em parte, a configuração formal da dramaturgia. Outros aspectos abordados foram a dramaturgia dos demais elementos cênicos, a conjugação texto-cena, bem como os dispositivos e procedimentos identificados na composição.
Procuramos em cada análise refletir sobre os modos como o processo criativo determinou, ainda que em parte, a configuração formal da dramaturgia. Outros aspectos abordados foram a dramaturgia dos demais elementos cênicos, a conjugação texto-cena, bem como os dispositivos e procedimentos identificados na composição.
"Caranguejo overdrive" - Aquela Cia - Rio de Janeiro Dramaturgia de Pedro Kosovski Direção de Marco André Nunes |
A cada nova dramaturgia, eram estudados também os processos
de criação e parte do material que fundamentou cada uma delas. Assim, por exemplo, para a
análise de “Caranguejo Overdrive”, foram pesquisados o movimento Mangue Beat, o
texto de Josué de Castro “Sobre homens e caranguejos”, o aterramento do mangue
na cidade do Rio de Janeiro, críticas e outros materiais gentilmente sugeridos
pelo próprio dramaturgo Pedro Kosovski.
O estudo desse trabalho corresponde às inquietações geradas
pela urbanização desordenada, pela gentrificação e pela especulação em torno de
obras ora justificadas pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas, mas que, na
verdade, há séculos drenam o dinheiro público em todo país.
"Abnegação 2 - o começo do fim" - Grupo Tablado de Arruar - São Paulo Dramaturgia: Alexandre Dal Farra Direção: Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano |
“Abnegação 2 – o começo do fim” foi a terceira dramaturgia
analisada e falou de perto ao grupo, já que foi baseada no assassinato do
ex-prefeito petista Celso Daniel em 2002 e marca, ainda que sem citar nomes ou
legendas, a adesão do PT aos esquemas de desvio de verba para campanhas
eleitorais e para enriquecimento individual de alguns dos envolvidos.
Em paralelo, além de outros materiais, foi lido o texto “Hamlet
S/A”, encenado pela Cia Estrela Dalva, de Santo André e que aborda o mesmo
tema.
"Conselho de classe" - Companhia dos Atores - Rio de Janeiro Dramaturgia: Jô Bilac Direção: Bel Garcia e Susana Ribeiro |
Darcy Ribeiro, pelos idos de 1977, afirmava que a crise da educação
brasileira não era propriamente uma crise, mas um projeto. “Conselho de classe”,
de Jô Bilac, foi analisada no II Ciclo de Estudos sob essa perspectiva , tendo como texto paralelo de análise “A aurora da minha
vida”, de Naum Alves de Souza.
Na sequência, nos debruçamos sobre “Mata teu pai”, em
cartaz em São Paulo. Não sem antes retomarmos o percurso da dramaturga e estudarmos
o mito de Medeia, a peça de Eurípedes; “Gota d’água” de Chico Buarque e Paulo Pontes;
“Medeamaterial”, de Heiner Müller, bem como o filme “Medea” de Lars Von Trier.
A disputa territorial, as guerras e massacres, os movimentos populacionais e o próprio patriarcado vistos sob a ótica feminina motivaram a análise dessa potente dramaturgia.
"Mata teu pai" - Cia OmondÉ - Rio de Janeiro Dramaturgia: Grace Passô Direção: Inez Viana |
O II Ciclo de Estudos da Dramaturgia Contemporânea – Brasil
foi encerrado com a análise de “Maré”, texto autoral de Márcio Abreu, encenado
pelo grupo espanca! em 2015, como quarto fragmento do espetáculo “Real”.
À proposição do grupo sobre a criação de um texto que
refletisse um episódio real, Márcio
Abreu respondeu de forma poética ao abordar uma família cuja rotina foi drasticamente
alterada com a invasão policial do Complexo da Maré em 2013. Dada a configuração singular da dramaturgia verbal,
estudamos paralelamente a peça “Sete crianças judias” de Caryl Church.
"Maré" - episódio do espetáculo "Real" - Grupo espanca! - Belo Horizonte Dramaturgia: Márcio Abreu Direção: Marcelo Castro |
Dessa vez, o Ciclo não rendeu um blog, mas um grupo aberto
no facebook onde foram disponibilizados vídeos e outros materiais de estudo.
Esse grupo continua no ar e pode ser acessado aqui.
Gostaria
de agradecer aos participantes pelos encontros sempre tão produtivos, aos
amigos e amigas que mediaram o levantamento de materiais e, finalmente, a
Solange Dias, coordenadora pedagógica da ELT pela disponibilização de um
espaço.
Durante
a avaliação geral do projeto foi sugerido que um III Ciclo de Estudos abordasse
a dramaturgia latino-americana. Vamos a ele. Notícias em breve.
Adélia
Nicolete