Conheci
Ana Régis tem cerca de 20 anos no projeto Oficinão do Galpão Cine Horto, lá em Belo
Horizonte. Estávamos em 1999, às vésperas de “comemorar” os 500 anos de “descobrimento” do Brasil e o diretor e ator Julio Maciel propôs ao núcleo de aprendizes a criação de um espetáculo
sobre o tema, que resultou em "Caixa Postal 1500". Ana, que era do elenco,
passou, projetos depois, à equipe de dramaturgia. Bacharel em Letras e
professora do ensino formal, percorreu e ainda percorre a cena, a direção, a
dramaturgia e a produção – desempenhos fundamentais ao desenvolvimento de “Peixes”,
seu solo teatral.
Divulgação do espetáculo quando de sua exibição na Sala Solo Galpão Cine Horto - Belo Horizonte |
Em meados daquela década trabalhamos juntas em “Rubros: vestido-bandeira-batom”, ideia sua em que trabalhei na dramaturgia - algo tão marcante para nós, capaz de render teatro, um projeto de cinema e muitos sonhos mais. O fato é que não nos desgrudamos, mesmo morando em estados diferentes. Daí que em 2015, Ana Régis comunica-me uma pesquisa em curso e o desejo de construir com ela uma peça teatral. A primeira versão já estava pronta e gostaria de partilhá-la com amigues a fim de escutar opiniões. Leio “Peixes” – nome então provisório – e fico encantada com o trabalho da amiga, mas ao mesmo tempo impactada por tratar-se de texto baseado em entrevistas e consultas a noticiário: a pedofilia, a violência doméstica, o assédio moral e psicológico.
Eu e Aninha, quase 20 anos depois do primeiro encontro (Foto: Chico Pelúcio) |
Faço
algumas observações e travamos um diálogo sobre o processo de escrita e sua
estrutura. A dramaturga ainda resistia ao material, por tratar-se de um tema
doloroso. Os intervalos entre as versões, porém, mostraram-se produtivos na
medida em que a autora (pesquisadora, atriz, diretora, produtora) lidava com os
conteúdos, “cozinhava” em fogo brando personagens, situações, tempos narrativos, técnicas
e recursos. Alquimia que deu origem a uma terceira versão a ser levada à
cena. Dava-se às luzes "Claudia", a narradora, porta-voz de tantas meninas e mulheres mundo afora.
Ana
operou com seus próprios recursos financeiros. Ensaiou em casa nas horas vagas,
sozinha ou diante de convidades. Testou a presença de um representante da
plateia em cena, avaliou, tomou decisões, até que o processo iniciado em 2015
tomou forma e estreou em dezembro de 2017 no Teatro de Bolso do Teatro Cine Brasil Valourec, em BH.
Ana conta com a participação de um educador como parceiro de cena Centro Sócioeducativo São Jerônimo - BH (Foto: Arquivo pessoal da atriz) |
Desde então, “Peixes” tem sido apresentado para os mais diversos públicos,
seguido sempre de alguma forma de debate. Ana vai aonde a solicitam. A narrativa de sua personagem tem o dom
de suscitar lembranças pessoais, provocar revolta, ativar o desejo de denúncia.
Há em todas as sessões depoimentos do público a gerar cumplicidade e solidariedade.
Brota a indignação genuína frente a um estado permanente de violência contra a
mulher e contra a infância, o que torna impossível sair de uma sessão do espetáculo
sem refletir sobre estratégias de defesa e de proteção às vítimas. Nesse
sentido, o solo teatral de Ana Régis cumpre a importante missão de abordar um
tema urgente, bem como de nos tirar da apatia com relação a ele.
Apresentação de "Peixes" na Paróquia Olhos d'Agua - Pilar (Foto: Arquivo pessoal da autora) |
Apresentação na Escola Estadual Mario Elias - Contagem - BH(Foto: Arquivo pessoal da autora) |
Quando
fui convidada a apresentar um texto para leitura dramática durante a 8ª edição
do evento Noites em Processo, na Fundação Cultural Cassiano Ricardo em São José
dos Campos, decidi-me por sugerir “Peixes”, de Ana Régis. A leitura haveria de
ser a culminância do Ateliê de Dramaturgia Solo, cujo disparador foram as
urgências pessoais de cada participante. Dessa forma, a urgência da artista
mineira bem poderia ser uma referência para todes nós e para o público.
Leitura cênica de "Peixes" Fundação Cultural Cassiano Ricardo 16 de dezembro de 2018 (Foto: Paulo Amaral / FCCR) |
A artista plástica Dani Akemi aceita o convite para ser a "terapeuta" (Foto: Paulo Amaral / FCCR) |
Parte do público presente à leitura (Foto: Paulo Amaral / FCCR) |
Antes
da leitura, compartilhei com os espectadores parte do processo criativo e da
circulação do espetáculo e após sua realização, a palavra foi aberta a todes. Confirmou-se
o impacto da dramaturgia, mesmo que apenas em leitura. O texto de Ana Régis
mostra-se de uma urgência cada dia maior e entre seus méritos está o de tratar
com delicadeza situações de brutalidade extrema. Micropolítica ativa, que seja apresentado cada dia mais.
Agradeço à autora
pela cessão do texto e de materiais referentes às apresentações. Muito obrigada
a Wangy Alves e a Atul Trivedi pelo convite, à Dani Akemi pela cumplicidade na
leitura, à Lucilene Dias e à equipe de produção. Obrigada, Rodrigo Morais Leite
pela análise crítica e ao público presente agradeço pela atenção e pelo debate,
gravado e posteriormente enviado a Ana Régis.
Adélia Nicolete
Fico muito feliz que Peixes tenha chegado desta forma, através de suas mãos, Adélia, para este grupo de artistas, escritores, pensadores. Agradeço por ter compartilhado comigo a gravação da conversa e análise tão rica do texto após a leitura. Guardo comigo cada observação e sei que reverberará quando estiver em cena. Espero que um dia possam assistir ao espetáculo e que possamos conversar pessoalmente. A todos minha gratidão pela escuta e a vc, Adélia, minha admiração de sempre.
ResponderExcluirObrigada e um grande abraço, Aninha! Que "Peixes" ganhe o mundo e provoque ondas cada vez maiores.
ExcluirAmei!
ResponderExcluirO texto Peixes e o seu artigo Adelia!
Parabéns pra vocês duas pelo trabalho contundente. Obrigada! Cris Takeda
Obrigada pela visita e pelo comentário, Cris. Agradeço em nome da Ana também, corajosa artista. Um beijo.
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