sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Ateliê de Dramaturgia Solo - São José dos Campos




“Uma micropolítica é ativa quando o desejo se deixa guiar por aquilo que lhe indicam os embriões de futuros; neste caso, a germinação vai se completando num processo de criação até encontrar palavras, imagens, gestos etc, que lhes permitam deixar o ninho e voar para o mundo. O que resulta disto é uma diferença, um devir de nós mesmos e de nosso campo relacional, com potência de proliferação por toda trama social. Este é o destino ético da pulsão, aquele em que a vida se afirma em sua força de transfiguração. Poderíamos dizer que o inconsciente é esta fábrica de mundos. Estar à altura desse tempo e desse cuidado para dizer o mais precisamente possível o que sufoca e produz um nó na garganta e, sobretudo, o que está aflorando diante disso para que a vida recobre um equilíbrio – esta é, precisamente, a tarefa de uma micropolítica ativa.”
Suely Rolnik
Entrevista ao Suplemento Cultural do Diário Oficial de Pernambuco



O convite partiu de Atul Trivedi, um dos curadores do evento “Noites em Processo”, idealizado e coordenado por Wangy Alves ao longo desses oito anos. Mostra a cada edição mais intensa, congrega durante dez noites oficinas, partilha de processos criativos seguidos de reflexão, palestras, mesas temáticas, espetáculos itinerantes e leituras dramáticas, tanto na Fundação Cultural Cassiano Ricardo, em São José dos Campos, como nos bairros e distritos vizinhos. Intercâmbio entre artistas, formação de público, debates - política cultural da melhor qualidade.

Chegou-me a proposta logo após o impacto do segundo turno das eleições e com carta branca para que eu desenvolvesse um Ateliê de Dramaturgia em oito encontros. Mais do que nunca, pareceu-me impossível desvincular o exercício dramatúrgico das atuais circunstâncias, o que inspirou um projeto que tomasse como disparador as urgências de cada participante rumo às urgências coletivas. Micropolítica ativa. Projeto-projétil: prático, portátil, direto, viável, adaptável, possível num contexto de investimentos baixos em educação, arte e cultura em geral. Num contexto de censura e preconceito rumo à consagração da ignorância.

Daí que decidi propor um Ateliê rente à minha pesquisa dos chamados “solos teatrais” contemporâneos: trabalhos em sua maioria idealizados e realizados por um/a artista, a partir de seu desejo de pesquisa – pulsões internas, subjetivas ou sociais, coletivas – e que chega ao público, muitas vezes, sem o destaque das grandes produções, até porque trafegam na contramão dos padrões estabelecidos e estabelecem novos modos de criar e fruir a cena.  Trabalhos que podem até contar com a participação, voluntária ou não, de outros/as profissionais, mas que solicitam fundamentalmente o empenho – e muitas vezes o investimento financeiro – do indivíduo que os propôs. 


Quatro particpantes que chegaram ao fim da jornada
Willyam, Guilherme, Claudio e Vitor
(Foto: Atul Triveli)

A partir das urgências de cada participante, foram trabalhados conteúdos relativos à forma dramática e suas subversões, bem como aos diversos sentidos da dramaturgia e à sua função, exercida por todas e todos componentes da equipe. Fizemos um apanhado histórico do formato no Brasil, com destaque para Denise Stoklos, e analisamos trechos de espetáculos e de textos a fim de refletir a respeito das proposições, dos processos e das soluções estéticas encontradas. Exercícios de escrita e de cena foram apresentados e discutidos a fim de promoverem o desenvolvimento dos projetos pessoais que, espero, encontrem em breve as urgências comuns e promovam, com isso, as transformações tão necessárias.

Ao fim da jornada, realizamos a leitura cênica de “Peixes”, peça resultante do solo criado por Ana Régis, atriz, professora e dramaturga mineira, em circuito na periferia de Belo Horizonte. A ela será dedicada nossa próxima postagem.

Muito obrigada a Ana Régis, Janaína Leite, Grace Passô, Sara Antunes, Eduardo Okamoto, Silvero Pereira, Assis Benevenuto, Paulo Azevedo e Raysner de Paula por suas criações, por disponibilizarem textos, vídeos e relatos de processo. 

Agradeço a todas e todos que passaram pelo Ateliê, à organização e à equipe técnica e de produção: obrigada pelas trocas! Incríveis! Foi também revigorante acompanhar as mesas de debate e assistir às cenas em processo durante o evento - tantas reflexões, tantas promessas! 

Encerro 2018 com o coração arejado pelos encontros artísticos e afetivos - que eles se repitam e se fortaleçam no ano que em breve chegará!

Adélia Nicolete