sábado, 25 de fevereiro de 2017

Leonardo Colosso - o fotógrafo da capa



Foto original da capa do blog
(Foto: Leonardo Colosso)


Há tempos instalou-se um desejo de modificar a foto de capa desse blog. A ele uniu-se outro, de que fosse uma imagem clicada por Leonardo Colosso. Não por acaso. Além da qualidade de seu trabalho, Léo é um artista múltiplo, bem ao gosto do materiavertente – lugar de textos sobre teatro e arte contemporânea. Ele é fotógrafo, poeta, contista e pintor. Ou seria poeta-fotógrafo e contista-pintor?

Difícil escolher dentre tantas imagens potentes. Depois de várias seleções, cheguei a essa que congrega algumas das marcas do fotógrafo, ao menos para mim. Ela traz a geometria, presente em boa parte da obra; é aberta ao diálogo criativo com o espectador; registra a cidade, concreta, angulosa e flagra o ser humano em sua relação com ela. Assim, uma fotografia dessa qualidade, tirada na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, me pareceu a ideal para estampar um blog de teatro e arte contemporânea.

O bom fotógrafo tem um olhar “inconformado”, ele não vê o mesmo que nós. Os nossos olhos lambem a rotina, os dele arranham, descascam a pele do hábito e enxergam o que por debaixo habita. Se o fotógrafo tem uma sólida formação humanista, como é o caso de Leonardo Colosso, o que ele vê clama por exposição. A fotografia urbana, por suas lentes, é muitas vezes denúncia, outras uma sugestão para que se olhe a poesia quase esquecida do cotidiano, ainda que pelo prisma da dor e da solidão.

Abaixo, alguns registros da série urbana, em preto e branco e em cores.


(Foto: Leonardo Colosso)












(Foto: Leonardo Colosso)

(Foto: Leonardo Colosso)


(Foto: Leonardo Colosso)

(Foto: Leonardo Colosso)


(Foto: Leonardo Colosso)
(Foto: Leonardo Colosso)





















(Foto: Leonardo Colosso)


(Foto: Leonardo Colosso)

(Foto: Leonardo Colosso)



(Foto: Leonardo Colosso)


(Foto: Leonardo Colosso)




(Foto: Leonardo Colosso)


(Foto: Leonardo Colosso)

(Foto: Leonardo Colosso)


Leonardo Colosso pertence a uma família de educadores do ABC paulista. Tem graduação e mestrado em História, foi militante estudantil e publicou dois livros, um de poemas e outro de contos, prefaciado por mim, pela Editora Alpharrabio. Atuou por muitos anos como fotojornalista e professor. Recebeu prêmios, participipou de mostras e exposições. Mudou-se recentemente para o interior de Minas Gerais onde passou a se dedicar, com o olhar poético de sempre, ao retrato e a registros da natureza.


Leonardo Colosso
(Foto: Adélia Nicolete)



Outras fotos podem ser vistas no link do blog organizado pelo também fotógrafo Marcello Vitorino, por ocasião de uma Exposição  ocorrida em 2007.

Obrigada, Léo, pela cessão de imagem para o materiavertente. É uma honra tê-lo por aqui e um grande prazer olhar diariamente para uma foto sua. 😉


Adélia Nicolete







terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

“As Meninas” – da literatura para os palcos

Capa do programa do espetáculo
(Arte: Dorinho)


Conheci Paulo Moraes – psiquiatra, ator e diretor paulista – num Festival de Teatro Amador em Santo André, São Paulo. Nossos grupos eram concorrentes. O dele tinha um nome impressionante: Companhia Dramática Formicida Avec Cachaça e era formado por estudantes da FMU, onde lecionava. Naqueles meados dos anos 1980, traziam uma adaptação do romance “Cléo e Daniel”, de Roberto Freire.

O meu grupo também era de estudantes. Formávamos o TeHor Movimento Artístico e representávamos a FATEA com o espetáculo “A dissidência”, baseado em estudos sobre a loucura. Eu escrevera o texto, dirigira a encenação e interpretava uma das personagens. Um grupo grande, de futuros artistas e educadores.

Paulo e sua Companhia arrebataram quase todos os prêmios e nós ficamos com a segunda colocação. Dali em diante, haveria uma longa colaboração artística entre os grupos e a amizade que dura até hoje, mais de três décadas depois. Um dos frutos dessa amizade foi o espetáculo "As meninas", transcriação do romance homônimo de Lygia Fagundes Telles, que pode ser lido nesse link.

Capa do romance


















O convite veio no final da década: eu seria responsável pela dramaturgia e ele trataria de encontrar o elenco e dirigir. No belo teatro do condomínio onde morava em Pinheiros, o Ilhas do Sul, Paulo faria os ensaios e, como contrapartida, estrearia e faria algumas sessões para os moradores. Sônia Kavantan, já em atividade naquela época, se encarregaria da produção. 

Do sonho primeiro até o terceiro sinal foram nove meses de trabalho, como pode ser verificado no texto que escrevi para o programa - tão compreensivelmente juvenil:





Na verdade o enredo do livro está todo lá! Apenas alguns personagens foram condensados, certas ações suprimidas ou comprimidas no tempo.

Ao reler, percebo o quanto aquela Adélia de vinte e poucos anos foi ousada ao criar uma dramaturgia praticamente sem rubricas, por exemplo. Minha intenção era, tal como Lygia propõe no livro, tratar a passagem de um tempo/lugar a outro sem aviso, no correr das ações. Ou o estabelecimento de três períodos - matinal, vespertino e noturno - a determinar o clima e a intensidade de cada bloco. Nesse sentido, prefiro chamá-lo hoje de transcriação em lugar de adaptação, tema para uma futura postagem nesse blog.

É com alegria, pois, que compartilho o texto, recentemente digitalizado. A partir de agora ele está disponível para leitura e novas encenações aqui. 

O programa do espetáculo foi digitalizado pela CBTIJ e pode ser acessado nesse endereço.


Ensaio com Ana Luísa Lacombe, Nany Di Lima e Zuleika Oliveira 
personagens Lorena, Lia e Madre Alix
(Foto: divulgação)



















A encenação, que tanto agradou Lygia, cumpriu temporada amadora e, mais tarde, profissional, vindo a ocupar a Sala Arena do Teatro Brasileiro de Comédia graças ao Prêmio Estímulo. Um outro prêmio, o de Viagem Cênica, possibilitou que “As meninas” conhecessem diversos palcos pelo estado de São Paulo. 

Foram anos de trabalho, com diversos elencos, sempre sob direção de Paulo Moraes e com produção de Sônia Kavantan.

Foto de cartaz da temporada amadora

Atualmente, além de psiquiatra, Paulo é agitador cultural em São Roque. Ele nunca desiste de me convidar pra novos projetos. Um dia acabo aceitando e então faremos um  outro trabalho, tão bonito quanto "As meninas".

Paulo Moraes e eu, trinta anos depois de "Cléo e Daniel" e "A dissidência"
São Roque - 2015

Adélia Nicolete


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

"Mata teu pai", de Grace Passô - Prefácio




Para a maioria de nós, ainda custará um bocado até que esses últimos tempos sejam devidamente assimilados e compreendidos. Cabe à Arte, antes mesmo de possíveis análises históricas e sociológicas, fornecer instrumentos para que essa compreensão se dê de modo profundo.

Ao retomar o mito de Medeia e trazê-lo novamente à cena, Grace Passô o faz ainda atolada nos acontecimentos recentes, daí a perplexidade sentida em cada ação – e o enunciado aqui, como em outros textos da autora é pura ação –, em cada movimento. Esses, por sua vez, lançam sobre nós leitores/espectadores uma série de instantâneos com que podemos, cada um a seu modo e com suas referências, compor um quadro particular do nosso tempo.

Grace, ao longo de sua trajetória, reveza-se como atriz, diretora e dramaturga, com qualidade e apuro cada vez maiores. Foi uma honra para mim prefaciar seu texto mais recente, levado à cena sob direção de Inez Vianna e com um elenco encabeçado por Débora Lamm. *


Débora Lamm protagoniza "Mata teu pai"
(Foto: Elisa Mendes)




PREFÁCIO

MEDEIA MMXVI


Houve um tempo em que as histórias eram transmitidas oralmente, à volta do fogo. Ombro a ombro, olhos nos olhos, vozes e ouvidos em sintonia - modos de explicar e de compreender a existência das concretudes e de outros fenômenos, do que se passava dentro e fora de si. Em momentos determinados, o que era mito ganhava presença e força no rito, vivenciado coletivamente com celebrações, sacrifícios e festa.

Fixadas na literatura, no teatro, nas artes plásticas, aquelas narrativas e trajetórias míticas conquistaram as prateleiras e as telas de cinema. De certa forma domesticadas, perderam em maleabilidade o que ganharam em portabilidade e alcance. Suas funções, porém, permanecem e uma das principais é atuar como referência, especialmente em situações de mudança ou de crise.

O modo com que deusas e deuses, heroínas e heróis enfrentam os desafios, desproporcionais à medida humana, presta-se a inspirar o nosso próprio enfrentamento. A partir de seus exemplos ancestrais, podemos identificar situações e comportamentos que são arquetípicos, ou seja, modelares da experiência humana tais como a paixão, a lealdade, o desejo de poder, a traição e a vingança, entre outros. E ao identificar, adquirimos maior capacidade de compreender e de agir, porque nos posicionamos na esteira do processo e não apartados dele. É como se nada do que é humano pudesse escapar do farol ou da mira do mito.

Assim, Mata Teu Pai, a peça de Grace Passô ora publicada, pode ser vista como resultante da busca empreendida pela autora por compreender, ao menos em parte, o contexto em que vivemos à luz do mito de Medeia. Não a protagonista “civilizada” e loquaz dos trágicos ou dos modernos, mas uma anterior, a Medeia Grande-Mãe ctônica, febril, senhora da vida e da morte; meio-irmã de Gaia, da nórdica deusa Freia, de Lilith, a lua escura. Fêmea, fértil, generosa, igualmente impiedosa e sombria, porém. É essa entidade primitiva que Grace conjura para nos auxiliar no enfrentamento do presente.

O conhecimento científico e a racionalidade fracassaram – grassam o machismo e a violência, a intolerância mata um pouco mais a cada dia. Guerras de conquista e alargamento de fronteiras desterram, a maximização dos lucros maximiza a miséria, inunda cidades com água e lama. E o poder constituído pelo voto arroga-se todos os direitos, tornando impunes a traição e a deslealdade, (in)justificadas por uma ética de ocasião. Em suma, o patriarcado agoniza, mas ainda assim prevalece. A quem recorrer se não a Medeia, vingadora, indomável?

Trazida de outros tempos à cena, sua energia é diversa, não se encaixa no discurso lógico, masculino, nem nos limites da quarta parede. Sua fala é lava, jorro incandescente e não cabe a ela adequar-se às nossas convenções, ao contrário: necessário é o nosso esforço em abandoná-las e a tudo o mais que represente a velha ordem falida. Precisamos ter coragem. A Deusa atendeu ao chamado e se apresenta em sua face mais terrível. Não poderia ser de outra forma se queremos que uma nova ordem se estabeleça.

Seu poder se faz sentir também na dramaturgia. Dessa vez, a poesia de Grace Passô faz voo livre, ora nas alturas da razão, ora nas profundezas do inconsciente e da libido. Peça-partitura a romper com o patriarcado da forma dramática convencional, Mata Teu Pai é constituída de onze movimentos livres, cada um com atmosfera própria, staccatos, ritornelos e didascálias que, em sua maioria, trazem indicações sonoras.

Tal é a autonomia poética do texto, que ele sugere uma intensa parceria criativa de intérpretes, direção e público para que se efetive como dramaturgia, para que o mito seja revivificado. Não mais à volta do fogo, mas com o incêndio à nossa volta, no rito coletivo do teatro.


Adélia Nicolete
Janeiro de 2017


* PASSÔ, Grace.  Mata teu pai.   Rio de Janeiro: Cobogó, 2017.