terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

“As Meninas” – da literatura para os palcos

Capa do programa do espetáculo
(Arte: Dorinho)


Conheci Paulo Moraes – psiquiatra, ator e diretor paulista – num Festival de Teatro Amador em Santo André, São Paulo. Nossos grupos eram concorrentes. O dele tinha um nome impressionante: Companhia Dramática Formicida Avec Cachaça e era formado por estudantes da FMU, onde lecionava. Naqueles meados dos anos 1980, traziam uma adaptação do romance “Cléo e Daniel”, de Roberto Freire.

O meu grupo também era de estudantes. Formávamos o TeHor Movimento Artístico e representávamos a FATEA com o espetáculo “A dissidência”, baseado em estudos sobre a loucura. Eu escrevera o texto, dirigira a encenação e interpretava uma das personagens. Um grupo grande, de futuros artistas e educadores.

Paulo e sua Companhia arrebataram quase todos os prêmios e nós ficamos com a segunda colocação. Dali em diante, haveria uma longa colaboração artística entre os grupos e a amizade que dura até hoje, mais de três décadas depois. Um dos frutos dessa amizade foi o espetáculo "As meninas", transcriação do romance homônimo de Lygia Fagundes Telles, que pode ser lido nesse link.

Capa do romance


















O convite veio no final da década: eu seria responsável pela dramaturgia e ele trataria de encontrar o elenco e dirigir. No belo teatro do condomínio onde morava em Pinheiros, o Ilhas do Sul, Paulo faria os ensaios e, como contrapartida, estrearia e faria algumas sessões para os moradores. Sônia Kavantan, já em atividade naquela época, se encarregaria da produção. 

Do sonho primeiro até o terceiro sinal foram nove meses de trabalho, como pode ser verificado no texto que escrevi para o programa - tão compreensivelmente juvenil:





Na verdade o enredo do livro está todo lá! Apenas alguns personagens foram condensados, certas ações suprimidas ou comprimidas no tempo.

Ao reler, percebo o quanto aquela Adélia de vinte e poucos anos foi ousada ao criar uma dramaturgia praticamente sem rubricas, por exemplo. Minha intenção era, tal como Lygia propõe no livro, tratar a passagem de um tempo/lugar a outro sem aviso, no correr das ações. Ou o estabelecimento de três períodos - matinal, vespertino e noturno - a determinar o clima e a intensidade de cada bloco. Nesse sentido, prefiro chamá-lo hoje de transcriação em lugar de adaptação, tema para uma futura postagem nesse blog.

É com alegria, pois, que compartilho o texto, recentemente digitalizado. A partir de agora ele está disponível para leitura e novas encenações aqui. 

O programa do espetáculo foi digitalizado pela CBTIJ e pode ser acessado nesse endereço.


Ensaio com Ana Luísa Lacombe, Nany Di Lima e Zuleika Oliveira 
personagens Lorena, Lia e Madre Alix
(Foto: divulgação)



















A encenação, que tanto agradou Lygia, cumpriu temporada amadora e, mais tarde, profissional, vindo a ocupar a Sala Arena do Teatro Brasileiro de Comédia graças ao Prêmio Estímulo. Um outro prêmio, o de Viagem Cênica, possibilitou que “As meninas” conhecessem diversos palcos pelo estado de São Paulo. 

Foram anos de trabalho, com diversos elencos, sempre sob direção de Paulo Moraes e com produção de Sônia Kavantan.

Foto de cartaz da temporada amadora

Atualmente, além de psiquiatra, Paulo é agitador cultural em São Roque. Ele nunca desiste de me convidar pra novos projetos. Um dia acabo aceitando e então faremos um  outro trabalho, tão bonito quanto "As meninas".

Paulo Moraes e eu, trinta anos depois de "Cléo e Daniel" e "A dissidência"
São Roque - 2015

Adélia Nicolete


5 comentários:

  1. E vamos ao resgate do meu post perdido. Adélia,que delícia! acredite, ainda tenho meu programa da peça até hoje! Ver essa gratificante operação de registros e memórias é algo fascinante, ainda mais quando por algum motivo, mesmo que apenas acompanhar alguns ensaios à época nos torna parte. Relendo teu post, fico imaginando o tamanho do querer e da ousadia para época e também encantada ao saber que a pareceria segue até hoje e com desejos para novos projetos! Isso é valor de alma! Eximia habilidade para a manutenção das condutas e troca de saberes! E olhando para o não tão distante momento, o quanto se evoluiu e em alguns aspectos o quanto foi regredido no mundo o quesito cultura. O fazer artístico somado ao respeito gera essa herança! Muito honrada por ter acompanhado esses momentos e a própria estreia! Tempo de criação, de aprendizado e agora a colheita de ócio amoroso para o registro do dramatúrgico. Pronta para novas experiências ou o diretor apenas segue comungando com Baco em São Roque? Brincadeiras à parte, que bom ter isso em registro (aliás, hora de montar um livro sobre, que achas?) Saudações e reconhecimentos, meu afeto, Elaine

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    1. Querida, obrigada pela visita e pelo carinhoso comentário. Você acompanhou bem de perto a trajetória no TBC e pôde verificar o quanto Paulo congregava (e ainda congrega) os amigos dos tempos amadores. Ali estávamos Esdras Domingos, Nany Di Lima, Marco Crepaldi, Ernando Tiago, Eduardo Gaspar, Zuleika Oliveira e eu. Esses registros são preciosos, pois são da era pré-google! rsrs É preciso colocá-los na rede para provar sua existência e atestar sua importância. Também guardo o programa e o cartaz, além de uma foto que você tirou no hall de espera do TBC. Obrigada por sua amizade, ela também de tantas décadas!

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  2. Quanta memória viva, tecida no espírito do Tempo, que tudo faz respirar, mexer e remexer dentro de nós. De algum modo, aquela Adélia menina, continua pulsante, continua, continua continua...

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    1. Débora, minha flor, obrigada por ler e deixar suas impressões por aqui. A trama da vida é mesmo poderosa, tanto que faz a rede aumentar: Bid e Lisa são amigos em comum com Paulo e contigo. Agora você também foi seduzida! (rs) A Adélia-menina revenrencia a Débora-menina, tão presente em ti ainda. Um beijo, querida!

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