“Uma
micropolítica é ativa quando o desejo se deixa guiar por aquilo que lhe indicam
os embriões de futuros; neste caso, a germinação vai se completando num
processo de criação até encontrar palavras, imagens, gestos etc, que lhes
permitam deixar o ninho e voar para o mundo. O que resulta disto é uma
diferença, um devir de nós mesmos e de nosso campo relacional, com potência de
proliferação por toda trama social. Este é o destino ético da pulsão, aquele em
que a vida se afirma em sua força de transfiguração. Poderíamos dizer que o
inconsciente é esta fábrica de mundos. Estar à altura desse tempo e desse
cuidado para dizer o mais precisamente possível o que sufoca e produz um nó na
garganta e, sobretudo, o que está aflorando diante disso para que a vida recobre
um equilíbrio – esta é, precisamente, a tarefa de uma micropolítica ativa.”
Suely Rolnik
Entrevista ao Suplemento Cultural do Diário
Oficial de Pernambuco
O convite partiu de Atul Trivedi, um dos curadores do
evento “Noites em Processo”, idealizado e coordenado por Wangy Alves ao longo desses
oito anos. Mostra a cada edição mais intensa, congrega durante dez noites oficinas,
partilha de processos criativos seguidos de reflexão, palestras, mesas temáticas,
espetáculos itinerantes e leituras dramáticas, tanto na Fundação Cultural
Cassiano Ricardo, em São José dos Campos, como nos bairros e distritos
vizinhos. Intercâmbio entre artistas, formação de público, debates - política
cultural da melhor qualidade.
Chegou-me a proposta logo após o impacto do segundo turno das
eleições e com carta branca para que eu desenvolvesse um Ateliê de Dramaturgia
em oito encontros. Mais do que nunca, pareceu-me impossível desvincular o exercício
dramatúrgico das atuais circunstâncias, o que inspirou um projeto que tomasse
como disparador as urgências de cada participante rumo às urgências coletivas. Micropolítica
ativa. Projeto-projétil: prático, portátil, direto, viável, adaptável, possível
num contexto de investimentos baixos em educação, arte e cultura em geral. Num contexto
de censura e preconceito rumo à consagração da ignorância.
Daí que decidi propor um Ateliê rente à minha pesquisa dos
chamados “solos teatrais” contemporâneos: trabalhos em sua maioria idealizados
e realizados por um/a artista, a partir de seu desejo de pesquisa – pulsões internas,
subjetivas ou sociais, coletivas – e que chega ao público, muitas vezes, sem o
destaque das grandes produções, até porque trafegam na contramão dos padrões estabelecidos e estabelecem novos modos de criar e fruir a cena. Trabalhos que podem até contar
com a participação, voluntária ou não, de outros/as profissionais, mas que solicitam
fundamentalmente o empenho – e muitas vezes o investimento financeiro – do
indivíduo que os propôs.
Quatro particpantes que chegaram ao fim da jornada Willyam, Guilherme, Claudio e Vitor (Foto: Atul Triveli) |
A partir das urgências de cada participante, foram
trabalhados conteúdos relativos à forma dramática e suas subversões, bem como aos
diversos sentidos da dramaturgia e à sua função, exercida por todas e todos
componentes da equipe. Fizemos um apanhado histórico do formato no Brasil, com
destaque para Denise Stoklos, e analisamos trechos de espetáculos e de textos a
fim de refletir a respeito das proposições, dos processos e das soluções
estéticas encontradas. Exercícios de escrita e de cena foram apresentados e
discutidos a fim de promoverem o desenvolvimento dos projetos pessoais que,
espero, encontrem em breve as urgências comuns e promovam, com isso, as
transformações tão necessárias.
Ao fim da jornada, realizamos a leitura cênica de “Peixes”,
peça resultante do solo criado por Ana Régis, atriz, professora e dramaturga mineira,
em circuito na periferia de Belo Horizonte. A ela será dedicada nossa próxima postagem.
Muito obrigada a Ana Régis, Janaína Leite, Grace Passô, Sara Antunes, Eduardo Okamoto, Silvero Pereira, Assis Benevenuto, Paulo Azevedo e Raysner de Paula por suas criações, por disponibilizarem textos, vídeos e relatos de processo.
Agradeço a todas e todos que passaram pelo Ateliê, à organização e à equipe técnica e de produção: obrigada pelas trocas! Incríveis! Foi também revigorante acompanhar as mesas de debate e assistir às cenas em processo durante o evento - tantas reflexões, tantas promessas!
Encerro 2018 com o coração arejado pelos encontros artísticos e afetivos - que eles se repitam e se fortaleçam no ano que em breve chegará!
Adélia Nicolete
Obrigado Adélia! Que venha 2019, 2020, ... Abraços.
ResponderExcluirAgradeço da mesma forma, Atul. Contem comigo! Um grande abraço.
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