domingo, 9 de novembro de 2014

Consultoria dramatúrgica - Parte II - Alguns atributos

Marcelo Castro, Alexandre de Sena e Gustavo Bones
"Congresso Internacional do Medo" - grupo espanca! - BH
Direção: Grace Passô - Consultoria dramatúrgica: Adélia Nicolete
(Foto: Guto Muniz)

Na postagem anterior, vimos o quanto pode ser complexo dissociar a dramaturgia do texto verbal dos demais textos a serem decodificados pelo espectador no teatro contemporâneo. É importante que se diga que na cena dita convencional outros textos existem, mas com função complementar, pois toma-se como ponto de partida uma peça já escrita e, em função dela, são desenvolvidos os demais elementos. Nesse caso, a presença de um fio condutor, de um eixo ou de um norteador tão forte, de um modo ou de outro condiciona as demais criações.

O teatro não mais dramático, ao abrir mão do eixo verbal, por exemplo, ou da fábula norteadora, condiciona outro processo: aquele em que as diversas camadas constituintes da cena são geradas em paralelo. O eixo, em muitos desses casos, é a equipe em si, seus desejos, suas pesquisas que permitem a experimentação ora de um espaço, ora de uma ambientação sonora, de uma enunciação verbal, de uma partitura corporal e de um sem número de experiências que partem umas das outras, bifurcam-se, sugerem novos caminhos, compõem aos poucos a estrutura, numa espécie de retroalimentação.

Nesse contexto, o trabalho de consultoria dramatúrgica pode ser considerado sob diferentes aspectos. O principal deles é o acompanhamento do trabalho  como um “olhar externo” ao processo, sem o mesmo envolvimento visceral da equipe. Um olhar crítico e comprometido não só com o resultante, mas fundamentalmente com os motivadores e objetivos do grupo, o que difere o consultor do espectador que porventura dê sua opinião nos ensaios abertos.

Se presente em etapas iniciais, o consultor de dramaturgia perguntará para quê e para quem o trabalho está sendo feito, bem como o que se pretende com ele.  Se a equipe não tiver isso claro, o consultor ajudará na busca dessa clareza, na busca de um norte a seguir. A partir dessa identificação e do esclarecimento de propósitos, poderá ser estabelecido um “plano de vôo”, uma “rota de navegação” para que se chegue o mais próximo possível do lugar/resultante almejado – ainda que se possa mudá-lo no decorrer da trajetória.

Em estágios mais adiantados, ciente do arcabouço do projeto e dos objetivos do grupo, o consultor poderá estabelecer um diálogo mais estreito com toda a equipe ou tão somente com o dramaturgo ou diretor, no intuito de auxiliar a condução da obra em construção até o mais próximo possível das metas. Discussões, estudos do texto dramático, análises de ensaios, interferências criativas são algumas das ações possíveis ao consultor. Ele atua, de certa forma, como um espectador privilegiado: aquele que detém informações preciosas, desconhecidas pelos demais. E, na medida em que seu olhar repousa sobre algo ainda em gestação, é necessário que se mantenha sempre alinhado ao porvir. Dito de outro modo, é preciso que cada proposta seja analisada não como algo concluído, mas como um vir a ser, em conjunto, inclusive, com o público pretendido. 

Em nenhum dos casos o consultor deve atuar como autoridade. Embora seja um profissional contratado para uma função específica e pontual, não é desejável que ele imponha a sua vontade, o seu ponto de vista ou as suas preferências estéticas sobre um processo que, inicialmente, não é seu. A neutralidade total é impossível, visto que, em geral, o consultor é convidado justamente pelo seu projeto estético, pela sua linha de atuação, a fim de estabelecer uma parceria mais produtiva. É importante, porém, que ela esteja o tempo todo no horizonte.

Há processos em que o consultor é chamado para um olhar mais específico sobre o texto verbal e sua conjunção com os demais. Mas quando texto dramático e cênico nascem simultaneamente, é bastante comum que as análises sejam feitas também em conjunto, isto é, que o papel impresso dê lugar à enunciação e à encenação, ainda que precárias. Seja como for, a maior eficácia do trabalho de um consultor dramatúrgico dependerá da frequência com que acompanha o processo, da permeabilidade do diálogo com os criadores, bem como da clareza de propósitos da equipe.



2 comentários:

  1. Me agrada a ideia de um Consultor externo, o olhar de fora é sempre muito interessante. Mas me assusta pensar como é a formação de quem o faz. Longe de dar pitaco, mas é algo curioso de se observar, apenas refletindo. Obrigado pelas dúvidas...rsrs Grande abraço, Elaine

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    1. Querida, você comentou algo importante: a formação do consultor. De preferência, que ele atue como dramaturgo, que tenha experiência na construção da cena e também no tipo de abordagem e de processo a que foi solicitado a acompanhar. Ele não é um espectador "comum", embora um espectador "comum" também possa dar retornos preciosos acerca do trabalho. A diferença principal talvez seja o auxílio efetivo e contínuo que cada um possa dar à equipe. Beijos e obrigada pelo pitaco!

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