segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

"Ciclos de evolução", de Alexander Ruperti



Nos Ateliês de Dramaturgia, de Memórias e de Escrita Criativa que conduzo abro cada vez mais espaço para os ciclos de evolução. Trata-se de um estudo complementar ao da trajetória do herói e toma como referência, além de Vladimir Propp e de Joseph Campbell, conteúdos da Psicologia, da Antroposofia e da Astrologia. Dentre os títulos dessa última área, destaco Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento, de Alexander Ruperti, que apresento de modo sucinto nessa postagem.





Em nosso trato com a experiência humana compartilhada no teatro ou na literatura, o modo como pensamos, sentimos e agimos nas diferentes fases da vida constitui matéria essencial de estudo. Uma criança ou um adolescente, por exemplo, têm pulsões que movem seu comportamento de maneira diferente do adulto. À leveza da jovem enamorada se contrapõe o peso de sua ama, conhecedora das armadilhas do coração. A grande sabedoria do velho, acumulada em toda uma vida de ação e de observação, está contida num corpo quase imóvel – a ele recorrem os que estão em movimento, os que estão em busca do conhecimento. No teatro nô, por sua vez, o sábio é aquele que se desprendeu de vínculos e peregrina - é ele quem encontra os que estão imobilizados em situações de conflito e trata de auxiliá-los.

Cada fase apresenta desafios a serem vencidos, força equivalente para superá-los e as consequentes conquistas, que nos habilitarão para o ingresso em nova fase. Para isso não estamos sozinhos - ao menos é o que esperamos. Contaremos com nossos pares a atuarem como espelho, mas também com aqueles e aquelas que, mais experientes, dão seu testemunho de superação. Em outros momentos, será a nossa vez de oferecer o mesmo suporte. A cada fase vivida, ganhamos algo e abrimos mão de um outro tanto, o que determina modificações em nosso modo de sentir, de nos expressarmos, de agirmos e de percebermos o mundo à  nossa volta e dentro de nós.

Em outras palavras, existe um certo padrão – correspondente a aspectos psicológicos e também fisiológicos. Embora supostamente comum a todos, o padrão atua, na verdade, como simples referência, pois ganha complexidade na medida em que seus elementos básicos são subvertidos, cruzados ou articulados a outros relativos ao tempo, ao espaço, à sociedade, à cultura, etc. Se a esses aspectos todos acrescentarmos a influência dos planetas, teremos uma outra dimensão a explorar.



Alexander Ruperti (1913/Alemanha - 1998/Suíça)
Astrólogo e idealizador da Astrologia Humanista

Não se trata de estabelecer o mapa astral dos personagens, analisar seus signos solar e ascendente ou algo parecido, mas de acrescentar ao estudo dos padrões, por exemplo, os ciclos etários (ou setênios) descritos por Ruperti e também o modo como o ciclo de cada planeta pode interferir na trajetória individual.


Ciclos


No que se refere aos ciclos humanos, Ruperti propõe o que ele chama de dois hemiciclos: o crescente (dos 0 aos 35 anos) e o minguante (dos 35 aos 70 anos ou mais). Cada um deles é dividido em níveis que reunem as aquisições e as questões a serem trabalhadas no período. Abaixo, dois exemplos do hemiciclo crescente, escolhidos ao acaso. É importante observar a influência dos ciclos planetários em nossos ciclos vitais:


"De 0 a 7 anos: Nível Orgânico - Desenvolvimento do corpo, de seus órgãos e de seus reflexos psíquicos. Ajustamento básico às pressões exteriores, especialmente no âmbito da família (...) A influência de fatores ausentes é igualmente importante para o desenvolvimento posterior da criança. Assim como a falta de cálcio durante este período inibirá o desenvolvimento de ossos retos e fortes, a falta de amor inibirá o desenvolvimento da capacidade de amar dessa criança. O adulto que passa pela vida procurando uma mãe provavelmente não teve a experiência de ser bem cuidado  nessa fase." (RUPERTI, 1991, p. 49)

“De 21 a 28 anos: Nível Sócio-Cultural – Escolha da companhia e do próprio tipo de participação social. Estabelecimento da atitude básica para com os frutos do passado pessoal e sociocultural. Rebelião contra a família e/ou contra a sociedade. (...) Astrologicamente, este período de 7 anos está ligado à primeira quadratura minguante de Saturno e à quadratura crescente de Urano, que abre a quarta fase do ciclo uraniano. O último aspecto coincide com o esforço de penetrar (quadratura crescente) no mundo profissional, comercial e cultural e se enquadrar, da melhor forma possível, na vida da comunidade a que o indivíduo pertence. Por outro lado, o aspecto de Saturno aponta a necessidade do jovem de separar-se do passado (quadratura minguante) e das atitudes que foram baseadas na vida despreocupada, típica dos anos escolares.” (Idem, p. 53-54)


O deus Júpiter em representação Art Nouveau


Dois exemplos do hemiciclo minguante são registrados a seguir:


“De 49 a 56 anos: Nível Psicológico – Educação dos outros. Maior responsabilidade social. Negativamente, rigidez mental devida à incapacidade de mudar a atitude-vida e o comportamento adotados. (...) No 50º ano, Urano entra na 8ª fase do seu ciclo – a fase regenerativa. Isto poderá determinar experiência ocultas profundas. A crise mental-psicológica dos quarenta anos torna-se agora uma crise biológica. Durante este período a pessoa vê os resultados concretos de tudo aquilo que ocorreu no ponto médio da faixa dos quarenta anos. Se ela não é bem-sucedida no que se refere a enfrentar construtivamente os obstáculos físicos iminentes ou as obstruções psicológicas consequentes do seu fracasso na tentativa de tornar-se uma personalidade integrada, então ela experimentará agora uma cristalização gradual daquelas atitudes e crenças psicológicas e sociais estabelecidas, que não teve a vontade interior de modificar. Ela se tornará ‘velha demais para mudar’.”(Idem, p. 63-64)

“De 63 a 70 anos: Nível do Corpo ou Orgânico. Preparação para a ‘vida futura’ ou senilidade. Irradiação da sabedoria ou, negativamente, sentimento de tédio, de vazio, de futilidade. Condução da vida para algum tipo de consumação da semente. (...) A quadratura crescente de Saturno por volta dos 66-70 anos de idade pode significar uma nova e grande aventura nos domínios espirituais. Se, por outro lado, a pessoa não tem nada de positivo para oferecer à sociedade ou não está aberta para novos domínios de consciência, então o processo de cristalização do corpo e a diminuição da vitalidade assumirão uma força adicional. (...) O homem envelhece porque já não tem interesse na vida – por causa de um sentimento de fracasso no que se refere a realizar qualquer colheita de valor por meio da experiência pessoal. (...) A morte saturniana é o resultado lento de uma cristalização progressiva das estruturas corporais e psíquicas que se tornaram cada vez mais rígidas e têm um conteúdo espiritual cada vez menor. Isto significa morte em automatismo, inexpressividade ou senilidade. (Idem, p. 67-68)


Ruperti também tece considerações para além dos 70 anos e a certa altura comenta: "A razão pela qual a época da morte, com tanta frequência, não parece estar claramente registrada no mapa do nascimento deve-se ao fato de que o momento real da desintegração do corpo não é, espiritualmente, o momento mais significativo. Muitas pessoas cujos corpos ainda estão organicamente vivos estão ‘mortas’." (Idem, p. 69)



O deus Saturno em gravura de 1533
Acervo do Museu Britânico


Os capítulos seguintes são dedicados aos planetas e seus ciclos – Sol-Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Se lembrarmos da deusa e dos deuses a que eles se referem, teremos já uma ideia dos arquétipos representados e suas manifestações. Ruperti apresenta cada um deles particularmente, bem como sua presença nas doze casas de um mapa de nascimento. Trata-se de um estudo profundo e que guarda semelhança com os modelos actanciais referentes à dramaturgia e à literatura.

Os ciclos planetários gerais e sua passagem particular pelo mapa de cada indivíduo são, quase sempre, geradores de crises que, tal como o conflito no teatro (e na vida), representam vetores de transformação. E mesmo que o teatro ocidental de nosso tempo opere com a dissolução do personagem, com a recusa à trajetória como abordada em Ruperti e nos demais pesquisadores de nossa bibliografia, vale lembrar que todos esses estudos sugerem um eixo e é dele que se pode fugir. É ele também que tomamos como referência, muitas vezes intuitiva, justamente para observar, fruir e compreender os desvios e as subversões, sejam eles artísticos ou não.

*

Haveria muito que comentar a respeito de Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento, algo impossível no âmbito dessa postagem. Sugiro a quem se interessar uma série de livros e vídeos sobre o tema, bem como sobre as trajetórias abordadas em Propp, Campbell e Jung, entre outros.


Adélia Nicolete


Referências bibliográficas e videográficas

Sobre os ciclos e setênios:


BURKHARD, Gudrun. As forças zodiacais: sua atuação na alma humana. São Paulo: Antroposófica, 1998.
______. Bases antroposóficas da metodologia biográfica: a biografia diurna. São Paulo: Antroposófica, 2002.
DIONE, A. Jung e astrologia.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
HILMANN, James. A força do caráter. São Paulo: Objetiva, 2001.
JOHNSON, R.A. e RUHL, J. M.  Viver a vida não vivida: a arte de lidar com sonhos não realizados e cumprir o seu propósito na segunda metade da vida. Trad. de M.G. da Cruz.  Petrópolis: Vozes, 2010. (Coleção Reflexões Junguianas)
RUPERTI, Alexander. Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento. Trad. de Maio Miranda.  São Paulo: Pensamento, 1991.

*

Sobre modelos actanciais:

GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. Trad. de H. Osakape e I. Bilkstein.  São Paulo: Cultrix, 1973.
SOURIAU. Étienne. As duzentas mil situações dramáticas. Trad. de M. L. Pereira e A. E. cadengue.  São Paulo: Ática, 1993.
UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. Trad. de J. Simões.  São Paulo: Perspectiva, 2005.

* Sobre as trajetórias heróicas:

Morfologia do conto maravilhoso, livro de Vladimir Propp, pode ser acessado nesse link.


O poder do mito, livro de Joseph Campbell, pode ser acessado nesse link.

A sequência de vídeos com a entrevista de Joseph Campbell a Bill Moyers e que originou a publicação de O poder do mito, pode ser encontrada nos links abaixo:




O heroi de mil faces, livro de Joseph Campbell, pode encontrado nesse link.

A sequência de vídeos da Nova Acrópole com a professora Lúcia Helena Galvão a comentar os capítulos de O heroi de mil faces pode ser acessada nos links abaixo:




O homem e seus símbolos, livro organizado por Carl Gustav Jung, pode ser encontrado nesse link.