quarta-feira, 30 de maio de 2018

Ateliê de Transcriação Teatral



Palestrantes e parte do público presente na abertura do Fórum
(Foto: acervo do Grupo Teatral Pontos de Fiandeiras)


No dia 6 de abril de 2016, o Grupo Teatral Pontos de Fiandeiras promoveu um encontro de abertura do I Fórum de Coletivos Teatrais do ABC Paulista. Reuniram-se no Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa representantes de coletivos e público em geral para a discussão de um tema que congregasse a todos: a dramaturgia e a cidade. Para a mesa de abertura foram convidados artistas de três gerações, que tomaram as cidades da região como referência e território para seus trabalhos: José Armando Pereira da Silva, Luís Alberto de Abreu e Solange Dias. O objetivo foi apresentar um panorama histórico das ações e inspirar novos movimentos. Reuniões aconteceram nas três semanas seguintes e, dentre tantas sugestões de fortalecimento da rede, uma foi o compartilhamento de saberes entre os coletivos.

Entre 24 de abril e 29 de maio desse ano, sempre às terças-feiras, ocupamos a Cia do Nó de Teatro (http://ciadono.com.br), em Santo André, com o Ateliê de Transcriação Teatral – um compartilhamento de saberes a partir de minhas pesquisas e experiência e de exercícios práticos. A transcriação, no caso, refere-se à transposição de um ou vários textos literários para a cena, respeitando ao máximo as características do primeiro, mas adequando-o aos elementos da nova linguagem. Diferente da adaptação, a transcriação solicita o conhecimento do “projeto do autor”, como aponta a pesquisadora Linei Hirsch, ou seja, um estudo de vida e obra, a fim de tornar a proposta resultante o mais próxima possível do autor original.



Parte do material de referência para a transcriação
foi encontrado nesse volume

Plínio Marcos foi o escolhido para as nossas incursões. O autor santista ficou mais conhecido pela sua dramaturgia, no entanto foi ator, jornalista e cronista de larga produção. “Repórter de um tempo mau”, como ele mesmo se classificava, deixou textos publicados em jornais e revistas que fazem paralelo com as peças teatrais, além de comprar brigas, provocar polêmicas e explorar com largueza o tom poético. Considerei que seria um bom desafio trazer algumas crônicas à cena a fim de dialogar com o tempo mau presente.

Começamos por um apanhado biográfico e um estudo de parte da dramaturgia de Plínio, em especial as peças de forma dramática mais acentuada tais como “O abajur lilás”, “Navalha na carne” e “Homens de papel”. As peças foram analisadas e um primeiro exercício de transcriação pictórica, proposto. Em seguida, lemos e estudamos o conto “O terror de Roma”, do italiano Alberto Moravia e a peça “Dois perdidos numa noite suja”, nele inspirado. Plínio Marcos não chegou a fazer uma transcriação, ao contrário, tomou como base alguns tantos elementos fundamentais e ambientou a trama num tempo-lugar outros, alcançando, com isso, uma criação até certo ponto descolada do original. Não importa, o fato de nos determos no raciocínio criativo do autor nos aproximou um pouco mais de seu “projeto” e dos modos de se levar literatura à cena.


Primeiro encontro do grupo
(Foto: Elaine Perli Bombicini)


Chegou a hora da leitura e da análise de algumas crônicas a fim de escolhermos pelo menos uma para o desenvolvimento da transcriação - um momento para nos determos nos elementos capazes de suscitar o interesse cênico, além de examinarmos as relações com a produção dramatúrgica de Plínio Marcos. A crônica escolhida para o exercício foi “Coisas da vida”, de tom poético acentuado a contrastar com a dureza dos personagens e da situação. 

Próximo passo: desenvolvimento de um cannovaccio (roteiro de ações) em grupo, que levasse em conta não só a crônica escolhida, mas todo o material estudado e demais hipertextos possíveis. O processo foi norteado pela pesquisa de Linei Hirsch* e diversas atualizações possíveis com relação às novas confirgurações para além da forma dramática.

Juliano, Carina, Otávio e Vítor
(Foto: Elaine Perli Bombicini)
















Rodrigo, Elaine e Esdras














Carolina, Sila, Lucas e Celina

O último encontro foi dedicado à apresentação do conceito e dos roteiros, discussão geral dos projetos e, para minha satisfação, ao desejo de continuidade do exercício: aperfeiçoamento do cannovaccio e, com sorte, dos textos transcriados.

Lucas, Sila, Celina e Carolina
apresentam seu projeto
(Foto: Elaine Perli Bombicini)

É surpreendente verificar as diferentes abordagens possíveis de um mesmo material. Cada um dos três grupos aprofundou leituras específicas, mas complementares, perfeitamente conjugáveis entre si. O desejo de dar prosseguimento às criações atende a um de meus principais objetivos: o de apresentar a transcriação como um procedimento original de trabalho em dramaturgia.

Os outros objetivos creio que também foram alcançados. Reunimos durante cinco encontros artistas de diversos grupos e áreas, compartilhamos saberes e materiais, habitamos uma das sedes de grupo do ABC e planejamos a próxima ação: um ciclo de estudos sobre dramaturgismo, tema inédito na região.

Plínio Marcos

Agradeço ao Esdras Domingos e à Cia do Nó de Teatro pela acolhida, aos participantes pela troca intensiva e pela alegria reinante, prova dos nove, seja em que tempo for.

Obrigada, Plínio Marcos, pelas reportagens à sua maneira polêmica, contundente, por vezes contraditória, mas que ainda falam tão de perto ao nosso tempo e nos encorajam a também falar.



Adélia Nicolete

* HIRSCH, Linei.  Transcriação teatral: da narrativa literária para o palco. In: Percevejo, nº9, ano 8, 2000, p. 150-154