segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Charlie Logan


Para Cida Ferreira,
artista plástica, cenógrafa e figurinista


Charlie Logan
(Foto: internet)


Retomo nesta postagem sobre Charlie Logan o compartilhamento de minha visita à exposição Quando as cortinas nunca se fecham : a arte da performance e o alter ego, no American Folk Art Museum de Nova York.

Charlie é o quarto artista que apresento no blog. Assim como os anteriores (Rock N Roll, Eijiró Myama e Raimundo Borges Falcão), ele se utiliza de materiais descartados para suas criações e como todos os demais artistas da exposição, foi diagnosticado com algum tipo de distúrbio psicológico. Seu trabalho meticuloso e de apurado senso estético permite que o apreciemos como obra de arte, valendo-nos dos mesmos critérios de que lançamos mão ao apreciar artistas aceitos numa faixa de normalidade, ainda que bastante relativa.

Nascido em 1893 nos Estados Unidos, Charlie Logan viveu a maior parte do tempo na cidade de Alton, no estado de Illinois, banhado pelo rio Mississipi. Era figura familiar na localidade e pouco se sabe sobre ele antes de 1979, quando foi “descoberto” ao acaso por Kenneth e Kate Anderson, casal de colecionadores de arte popular e espontânea (autodidata, sem finalidade expositiva ou comercial). Estavam por ali de passagem e sua atenção foi atraída pelo porte e pelos trajes daquele homem:

“A jaqueta era bordada com bandeiras, listras, ponto-cruz, cores e marcas de maneira elaborada... Sua bengala, sua bolsa e seu chapéu eram tão decorados quanto a jaqueta. Ele parecia enorme. Sua pálpebra direita estava fechada e dela escorriam fluidos. Em uma mão ele segurava uma grande faca de açougueiro e cortava tiras de sua jaqueta. Parecia um pirata caribenho com um olho só, um pequeno cutelo na mão – uma roupa chamativa e botas pretas.” *

A partir dali, Kenneth Anderson dedicou boa parte de seu trabalho ao estudo e à preservação das criações de Logan. Tanto que, nos anos 1990, conseguiu que o Museu de Arte da Filadélfia adquirisse boa parte do acervo (28 peças no total) a fim de exibi-lo ao grande público.

Jaqueta "Saved" (Salvo) criada por Charlie Logan
(Foto: internet)



Depois de cinco anos de amizade com o casal, Logan revelou ter passado um bom tempo na prisão, acusado de falsificar dólares. Ao sair de lá, esposa e filhos já tinham partido e, sem casa nem família, ele passou a contar com uma pensão do governo e alimentando-se graças à ajuda da comunidade, de quem também recebia pouso.

À semelhança de Arthur Bispo do Rosário, Logan aproveitava todo tipo de tecido para a customização de suas roupas. Era com os fios provindos de meias, lençóis e outras peças que recebia ou encontrava que o artista fazia seus bordados. Botões, medalhas, etiquetas e outros adornos eram também material para os apliques. Mas não só isso, boa parte da decoração era feita com dinheiro, já que, para evitar assaltos, ele costurava moedas nas vestimentas e nos assessórios:

“Ele pegava duas moedas de 25 centavos, duas de 10 e duas de 5 centavos, fazia um rolinho e as cobria com uma rede bordada... Os amuletos eram pendurados visivelmente na borda de seus chapéus, mas não eram reconhecíveis como dinheiro e com dez ou doze desses malotes caindo de seu chapéu, estava pronto para um dia fora. Ele podia cortar o que precisasse e comprar algo para comer ou beber." **

Logan também inseria moedas nas bengalas e mochilas, bem como nos relógios, braceletes de pano, broches e anéis – todos feitos ou forrados com pedaços de tecidos e fibras. 

Chapéu criado por Logan e exposto no Museu da Filadélfia
(Foto: internet)
Interior do chapéu
(Foto: internet)

À medida que encontrava novos materiais, Charlie Logan acrescentava-os às peças já criadas, de modo que elas engrossavam e ficavam cada vez mais pesadas - se lembrarmos que ele as expunha em seu próprio corpo, imaginamos o quanto se tornavam difíceis de carregar. No entanto, com a mesma facilidade com que acrescentava elementos, desfazia-se deles, oferecendo pedaços de seu traje a alguém com quem simpatizasse.

Gravata, pingentes, broche  e anéis do acervo de Charlie Logan
(Foto: internet)


Um exame mais atento de suas criações levou alguns pesquisadores a atribuir ao artista algum tipo de conhecimento das tradições africanas. Pelo uso recorrente de símbolos tais como a cruz; o coração, presente na decoração haitiana; o cosmograma do Kongo, representação das fases da existência (nascimento, vida, morte e ressurreição) no mundo ancestral; pelas frases que inscrevia ou mesmo pelo uso cotidiano do bastão, Logan chegou a ser considerado um verdadeiro “xamã” pelos mais entusiasmados.

Conjunto de peças - bastão, chapéu, bolsa e casaco "SIS" - 1978-1984
(Foto: Museu de Arte da Filadélfia)

Perto da morte do artista, ocorrida em 1984, Keneth Anderson pediu ao enfermeiro que guardasse as roupas originais e, para que não o enterrassem com elas, providenciou um terno novo. Embora viesse a se sentir culpado por essa decisão, Anderson considerou que a arte de Charlie Logan deveria ser conhecida por um público cada vez maior.

Bastões customizados por Charlie Logan - observar moedas costuradas no bastão à esquerda
(Foto: internet)


Charlie Logan






Adélia Nicolete



* ROUSSEAU, Valérie. Charlie Logan. In: AMERICAN FOLK ART MUSEUM. When the curtain never comes down : performance art and the alter ego.  New York: American Folk Art Museum, 2015.  p. 64 (Tradução de Bernardo Abreu)

** idem, p. 66