terça-feira, 30 de outubro de 2018

"O jogo do amor e do acaso" - Pierre de Marivaux




Durante muitos anos atuei como professora de Iniciação Teatral, História do Teatro e Dramaturgia nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, mais tarde Coração de Jesus, em Santo André. Era a única instituição de ensino superior no ABC Paulista a oferecer cursos na área de Artes – Licenciatura e Bacharelado em Música, Artes Plásticas, Desenho e Artes Cênicas. Se uso o verbo no passado é com imensa tristeza: a FATEA ou FAINC já não existe e, portanto, uma das regiões mais adensadas do estado de São Paulo deixou de contar com uma faculdade voltada para a formação de artistas e professores. Fechou as portas sem qualquer comunicação oficial à comunidade, como se fosse quitanda, boteco ou loja de R$ 1,99. Como se não fizesse diferença.

Provável é que a justificativa seja econômica, pois há um bom tempo temos acompanhado a investida furiosa de grandes investimentos no ramo. A educação de qualidade é, a cada dia, substituída por um tipo de negócio que lucra, no mínimo, a partir de quatro fatores: baixo salário dos professores e funcionários, mensalidades a preço promocional, cursos de duração reduzida e grande número de alunos em sala de aula. A qualidade do ensino não entra em questão, tanto que muitos dos estabelecimentos em questão ficaram conhecidos por “vender diplomas” a prazo e não pela excelência. Diante desse massacre, é difícil a uma instituição séria resistir.

É de se lamentar a desativação de uma vasta biblioteca temática, das salas de aula adaptadas, dos laboratórios e ateliês. Com o fechamento da FATEA/FAINC e o descaso com relação à Escola Livre de Teatro, ambas em Santo André, o futuro da Arte e da Cultura na região está visivelmente comprometido.



Vista aérea do prédio da FATEA/FAINC
(foto: internet)


Dentre os trabalhos que realizei na FAINC, um deles foi a tradução e adaptação de um texto de Pierre de Marivaux (França 1688-1763) – O jogo do amor e do acaso, escrito em 1730. Autor de peças para a Commédie Française e para a Commédie Italienne, Marivaux foi um dos maiores autores de seu tempo. A decisão pelo texto surgiu do trabalho interdisciplinar que realizávamos à época, em 2007: estudávamos o Renascimento no teatro durante as aulas de História, a professora Solange Dias abordava os fundamentos da Commedia Dell’Arte em suas aulas de Encenação, Daniele Pimenta coordenava os estudos de corpo e voz, enquanto Celso Motta encarregava-se da pesquisa e elaboração de cenografia e figurinos. 



Grupo de alunos sob a direção de Solange Dias
Ao centro, a diretora à época - Ir. Theresinha Carvalho Castro
(Foto: Cassia Regina / Kiah Kilk)

A trama

Orgon deseja casar Silvia, sua filha, com o jovem Dorante, filho de um velho amigo. A moça resiste a desposar alguém que não conhece, por isso propõe ao pai trocar de lugar com sua criada Lisette a fim de observar melhor o pretendente. Orgon está de acordo e confidencia a seu filho Mario que Dorante teve a mesma ideia: virá visitá-los disfarçado como seu criado Arlequim.

Em pouco tempo, Silvia percebe qualidades significativas no suposto criado e, da mesma forma, Dorante encanta-se pela jovem que supõe a serviçal de sua pretendente. Não é preciso dizer que a dupla cômica Lisette e Arlequim, travestidos de patrões, enamora-se sem grandes dificuldades.


Seria um simples jogo se Marivaux não abordasse os conflitos internos de Silvia e Dorante ao verem-se apaixonados por quem julgam ser a criadagem. No entanto, a crise é superada de forma a unir os enamorados e a provar que o amor e o acaso são parceiros no jogo da vida.


2016 - Produção televisiva francesa de
O jogo do amor e do acaso


A adaptação


O jogo do amor e do acaso é uma das peças mais conhecidas do autor, mas não bastaria traduzi-la, teria de adaptá-la ao grande número de alunos, pois não queríamos revezá-los nos papeis. A solução encontrada foi criar e modificar alguns personagens e integrá-los à trama. Assim, ao núcleo original proposto por Marivaux acrescentei Ragonda, uma cozinheira, as criadas Beliza e Coralina, dei um pai e uma irmã a Dorante, Senhor Remy e Isabella, respectivamente, e troquei Mario por Flaminia, uma governanta. Tais acréscimos geraram uma abertura e alguns intervalos cômicos, além de duas novas relações amorosas, tão ao gosto dos jogos de amor de Marivaux.


Tradução e adaptação estão disponíveis neste link e poderão ser utilizadas gratuitamente para fins acadêmicos, desde que comunicada a tradutora.


Adélia Nicolete