segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"Luís Alberto de Abreu: até a última sílaba" - Apresentação do livro




Conheci Luis Alberto de Abreu no final da década de 1980, num curso de dramaturgia que ele oferecia nas Oficinas Culturais Três Rios, em São Paulo. Uma série de fatores fez com que eu desistisse das aulas e tornasse a encontrá-lo somente em 1996, dessa vez em Santo André. Fui sua aluna por alguns anos e posso dizer que, mais do que elaborar textos de teatro, suas aulas nos tornam pessoas melhores. Estudos de psicologia, mitologia, trajetórias heróicas fazem-nos refletir sobre o mundo, sobre a nossa própria vida, nosso próprio caminho.

Nas conversas que tivemos para este livro me convenci ainda mais da sua extrema coerência. Abreu é do tipo que age conforme o que proclama. Pode parecer meio tolo dizer isso, mas, hoje em dia, quantas pessoas se comportam assim? A maioria de nós fala muitas coisas sábias e profundas, mas, na hora de agir, faz justamente o contrário do que apregoa. Ele traz o conhecimento mítico para a própria vida, para o relacionamento familiar, para a compreensão do outro e do mundo.

Pode-se dizer que é uma pessoa muito séria. À primeira vista parece bravo. Nesse depoimento vamos descobrir que talvez isso se deva à sua timidez – ou à descendência de garimpeiros e de um lobisomem! Com o correr do tempo, porém, ele vai se mostrando afável e engraçado, embora sempre mantenha a fera nas entrelinhas. A mesma fera que o impele a novos trabalhos, a não se deitar sobre possíveis louros, a não dar crédito exagerado aos elogios. Conforme diz, só ele sabe o quanto penou para escrever um texto e nenhum louvor garante que o próximo trabalho será fácil.

Nas entrevistas não falou, mas Abreu é corinthiano, joga capoeira e adora cuidar de flores - orquídeas, mais especificamente. E é um ótimo cozinheiro: comida italiana, árabe e japonesa estão entre as suas especialidades. Estrutura um prato como estrutura suas peças: separa todos os ingredientes primeiro, coloca em ordem de entrada na panela e só depois é que começa o preparo. Nessa hora ele também não abre mão da invenção, acrescentando outros sabores, não se contentando com a mera reprodução de uma receita...

Abreu coloca amor e capricho em tudo o que se mete a fazer. Diz que herdou isso do pai. Da mãe, brava como o quê, herdou o prazer de ouvir e contar histórias – reais ou fantásticas, pouco importa. Talvez venha daí a facilidade pra contar enredos de livros, peças e filmes com tanta riqueza de detalhes que parece estarmos lendo ou assistindo junto com ele.

Achei que seria fácil conseguir entrevistá-lo. Não foi. A agenda sempre lotada de cursos, palestras, reuniões, novos textos, direcionaram nossas conversas aos intervalos entre as diversas atividades ou ao fim de noite. Os filhos, curiosos, queriam saber porque o pai estava gravando tudo aquilo sobre o seminário dos padres, os ensaios com gente pelada, os momentos em que pensou em desistir da dramaturgia. Queriam saber sobre o momento em que entrariam no livro. Afinal, são quatro filhos – cada um esperando a sua vez de entrar em cena! E ao falar sobre isso Abreu se emociona, a mesma emoção com que fala do convívio com o pai, da morte da mãe; com que fala dos amigos e das inúmeras experiências agradáveis que o teatro lhe proporcionou ao longo da vida.

Muito me ajudaram outras fontes de informação tais como notícias de jornais e revistas, leitura de suas peças, e a tese de doutoramento elaborada por Rubens Brito a respeito de sua obra. Amigos e ex-alunos mandaram perguntas via internet – Elaine, Ana Régis e Alex, em especial. As reuniões constantes com os amigos ofereciam outras versões de alguns fatos, e os irmãos do entrevistado serviram de fiel da balança em relação aos acontecimentos anteriores a seu nascimento. Portanto, agradeço a todo mundo que entrou na dança junto conosco pra fazer esse livro acontecer.

Que ele seja prazeroso a todos como foi para mim escrevê-lo. Prazeroso como a leitura dos textos de Luís Alberto de Abreu (...)

Lançamento do livro na Mostra Internacional de Cinema - SP - 2004
(Foto: Nádia Margonari de Abreu)

É possível fazer download gratuito do livro ao acessar o link:
http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.812.960/12.0.812.960.pdf





segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Tenement Museum – o teatro da imigração




A partir de meados do século 19, centenas de milhares de pessoas deixaram seus países rumo aos Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida. A maioria delas, fugindo da fome, das guerras e da miséria, passava semanas no porão dos navios, alimentada pela esperança de conferir de perto as ruas pavimentadas de ouro de que tanto ouviam falar.

Desembarcados em Ellis Island, próxima a Manhattan, os estrangeiros passavam por uma inspeção burocrática e sanitária, capaz de mandar de volta os que estivessem com a saúde ou a documentação irregulares. Os aprovados tratavam de procurar trabalho e abrigo, às vezes, em um mesmo local: os cortiços (tenements) espalhados, principalmente, em Lower East Side.

Conjunto de cortiços em Lower East Side

Quem dispunha de algum dinheiro podia alugar um apartamento num dos diversos prédios de até cinco andares espalhados pela região. Sem elevadores, o preço diminuía na proporção dos andares. Nos primeiros tempos, as latrinas ficavam no quintal e não havia água encanada, apenas um poço que atendia a todo o prédio ou a vários deles. Sem iluminação elétrica, os corredores eram escuros e, com apenas uma janela, na sala, os moradores tinham de recorrer a lampiões ou velas. Os banhos semanais eram na bacia ou numa pia – mesmo local em que eram lavadas as poucas roupas, estendidas na área comum. No frio, muito frio. No calor, o abafamento obrigava os moradores a dormirem na cobertura do edifício, para alegria das crianças.

As famílias numerosas, de até 12 pessoas, ocupavam uma sala, uma cozinha e um quarto minúsculo, geralmente destinado ao casal e ao(s) bebê(s). Durante o dia a sala era usada como área social ou como oficina de trabalho e, à noite, como dormitório.  Tais oficinas, funcionando em condições insalubres e faturando muito pouco, abasteciam o mercado crescente de roupas e acessórios, localizado na área nobre da cidade.

Família na sala/dormitório do apartamento

Os órfãos, os desempregados ou os trabalhadores mais pobres dormiam nas ruas ou em alojamentos específicos para isso, a preço baixo. Ali, assim como nos cortiços, as condições sanitárias e a qualidade de vida eram péssimas. Tanto que, a certa altura, os governantes e a população abastada viram-se obrigados a assumir a existência do Lower East Side e a providenciar o saneamento gradativo do bairro, a fim de evitar que possíveis epidemias atingissem os palacetes da região norte.

O segundo filme da trilogia O poderoso chefão, de F. Ford Copolla, ilustra de modo exemplar tanto a chegada dos imigrantes ao porto, a inspeção e a eventual quarentena, quanto a vida nos cortiços e no bairro dos imigrantes. Alemães, chineses, judeus, portoriquenhos, africanos, poloneses, irlandeses, russos, italianos habitavam, no início do século 20, o quarteirão mais povoado de uma região cuja densidade demográfica era a maior do mundo. É nesse quarteirão e em um daqueles cortiços que está instalado, desde o final dos anos 1980, o Tenement Museum de Nova York.

O comércio de rua era intenso

Um dos principais objetivos de sua idealizadora, Ruth Abram, foi o estudo da identidade do homem americano, marcadamente influenciado pela multiplicidade de culturas que lhe deram origem. Face ao grande número de imigrantes legais e ilegais que continuam a chegar na cidade, a historiadora, preocupada com a intolerância e suas manifestações, considerou a fundação de um museu capaz de atender não só aos aspectos educativos, informativos e históricos, mas também à discussão de assuntos ligados à problemática da imigração. Assim, além de um perfil, digamos, turístico, a entidade oferece palestras, aulas de inglês para estrangeiros, auxilia na regularização de documentos e presta assistência em diferentes níveis. Seu slogan é “Revealing the past. Challenging the future” e resume a ideia de um contato com o passado que seja capaz de propor novas e melhores maneiras de se lidar com situações semelhantes, hoje e no futuro.

Um dos recursos utilizados pela equipe do museu para um contato sui generis com o  passado é o teatro. Dentre os diversos roteiros de visita oferecidos, um deles é uma entrevista com uma “moradora” do cortiço, Victoria Confino, menina de 12 anos, cuja família imigrou da Turquia para os Estados Unidos em 1913. Mas, para que esse contato seja o mais “real” possível, é preciso que todos os visitantes interpretem igualmente o papel de estrangeiros, recém-chegados ao país, na época das grandes imigrações.

Os interessados na visita ocupam uma das salas do museu. O guia começa por informar que a jovem, uma judia, não fala muito bem o inglês, mas é muito esperta e capaz de responder a qualquer pergunta a respeito de sua terra, da viagem de navio, da chegada, da vida cotidiana e muitos outros assuntos. Como está sozinha no apartamento, ele avisa que não será fácil receber estranhos. Por isso, propõe ao grupo representar uma família à procura de vaga no cortiço. Nesse momento, cada um deve escolher que papel irá assumir diante de Victoria – pai, mãe, filho, filha, sobrinho, neto, etc. –, a nacionalidade do grupo e, de acordo com o papel, que tipo de pergunta faria à anfitriã. Um ensaio é feito, descartando perguntas sobre televisão, computadores, por exemplo, que não existiam naquela época. O guia estimula diferentes possibilidades de abordagem, enquanto assume, ele mesmo, o papel de professor de inglês da menina.  

Cozinha/quarto de apartamento reconstituído
Tenement Museum

De posse de seus personagens, o grupo se encaminha para o número 97 da rua Orchard, antigo cortiço inteiramente reconstituído pelos historiadores. Nesse momento, ocorre uma viagem no tempo, um contato singular com o passado, como vislumbrou Ruth Abram. Ao entrarmos pelo portão dos fundos, notamos o quintal minúsculo e de terra batida e imaginamos seu uso. Subimos o primeiro lance de escadas e caminhamos em silêncio pelos corredores escuros e apertados do prédio, divididos entre o que somos (cidadãos visitantes do século 21) e o que iremos representar (estrangeiros, desterrados, de uma década longínqua). A espera no corredor escuro é fundamental para que possamos respirar a diferença entre o nosso modo de vida e as condições daqueles homens e mulheres.

O guia  bate à porta e se anuncia como professor. A menina resiste em abrir a porta, já que as aulas costumam ser na escola. O mestre insiste, dizendo que trouxe uma família com ele, crianças inclusive, insegura, precisando de orientação. Victoria cede e abre a porta, recebendo-nos com seu sotaque carregado e uma gentileza sem igual. A personagem – interpretada por uma  atriz de cerca de 30 anos, usando vestido, avental e um lenço cobrindo a cabeça – apresenta o apartamento, responde a todas as perguntas, mas também é curiosa, quer saber quem somos, de onde viemos, como foi a viagem, estimulando a que os visitantes se coloquem no lugar daquelas tantas pessoas assustadas, desorientadas e famintas, como a jovem e sua família, quando aportaram na América. O jogo é concluído com a preocupação de Victoria em relação à chegada dos pais: eles a proibiram de abrir a porta a estranhos. Ela nos leva até o corredor e deseja boa sorte em nossa nova vida.

É muito curioso que um jogo teatral seja proposto num museu da imigração. Viola Spolin, a criadora desse tipo de procedimento com atores e não-atores, iniciou sua vida profissional justamente com imigrantes, em Chicago. Ao trabalhar em um programa assistencial cuja proposta era o resgate e a conservação das manifestações culturais de cada povo, Spolin entrou em contato com jogos, brincadeiras, cantos e danças de diversos países, o que, sem dúvida, teve um papel significativo em seu futuro trabalho com os jogos teatrais.

Sala/quarto de apartamento reconstituído
Tenement Museum


* * *


O Museu dispõe de um ótimo site. Clicando em “Play” e, depois, em “Immigration game”, por exemplo, podemos simular a imigração realizada há mais de um século, com a ajuda de Victoria Confino. Divirtam-se.



Publicado originalmente em
http://papelferepedra.blogspot.com.br/

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"Por Elise", do grupo espanca! - Apresentação do livro





Não se escapa, na abordagem das escritas contemporâneas,
devido à falta de certezas e modelos, à suspeita da ausência de savoir-faire.
Uma escrita muito aberta e sem trama narrativa bem amarrada
não esconderia a impotência do autor para construir uma história?
Não se pode levantar essa suspeita mais do que a que visa um pintor abstrato
quando perguntam se ele sabe desenhar “bem”.
O trabalho de leitura consiste, com a menor dose de a priori possível,
em entrar no jogo do texto e medir sua resistência.
Jean-Pierre Ryngaert



Quando fui convidada a apresentar o texto Por Elise aos leitores, Ryngaert surgiu de imediato diante de mim. Em seu livro Ler o teatro contemporâneo, o professor e diretor francês registra uma série de considerações que se adequam perfeitamente ao texto de Grace Passô e a muitos outros que vêm povoando a cena brasileira atual.

Ao comentar sobre a falta de certezas e modelos na escrita contemporânea, Ryngaert assinala a desconfiança com que se tem olhado o teatro dramático nos moldes aristotélicos – unidades, mimese, fábula, enredo, ação, conflito, diálogo, começo-meio-fim, encadeamento de ações, causa-conseqüência e tantas outras âncoras – e, ao mesmo tempo, a dificuldade de se libertar dele. O autor chega a cogitar a impossibilidade de uma ruptura radical com as antigas formas, pois a matriz do teatro será sempre uma troca entre seres humanos diante de outros seres humanos. Nesse ponto, junta-se ao francês um alemão, Hans-Thies Lehmann. Ao anunciar a existência de um teatro que chama de pós-dramático, Lehmann assegura que ele só é possível como superação do drama, ou seja, como uma manifestação que conserva algumas características de uma dramaturgia considerada “clássica”, incorporando a ela elementos próprios do contemporâneo – silêncio, fragmentação, lacunas, interrupções, intertextualidade e, sobretudo, uma maior colaboração do leitor/espectador na finalização da obra.

Por Elise é um claro exemplo disso. Ao mesmo tempo em que atende aos que ainda buscam avidamente por um fio, uma trama que seja, para com eles bordar um sentido, propõe um jogo de ir-e-vir, de esconde-esconde. Elipses, longas pausas, artes marciais, diálogos e trajetórias desencontrados e reencontrados, rubricas de filigrana que bem podem ser lidas em cena - uma estrutura de quebra-cabeça em que a autora propositalmente deixou de colocar algumas peças, pois elas estarão em poder da encenação e do público.

Uma outra característica marcante, capaz de situar o texto de Grace Passô e o espetáculo do Espanca! no panorama traçado por Lehmann e Ryngaert, relaciona-se ao processo de criação. Não mais um texto que nasce pronto, no gabinete do dramaturgo, e é oferecido a um grupo de atores que se incumbe de montá-lo e apresentá-lo, de preferência respeitando falas, rubricas e marcas de direção. Por Elise nasceu como um esboço apresentado ao grupo pela autora-diretora-atriz e que, dia a dia, era assimilado e transformado pela equipe. Cada um dos componentes atuou tanto na finalização do texto quanto na construção da cena. O fruto que pode ser degustado nesse volume é semente plantada por Grace, mas cultivada pela equipe.

E é preciso falar ainda do assunto, do conteúdo de Por Elise que, sem dúvida, determina a forma encontrada pela dramaturgia.

Grupos jovens, dispostos a escrever o próprio texto, ao se perguntarem sobre o que querem falar, em geral apresentam respostas bastante similares. Todos querem falar do amor, do medo, da violência. Querem falar de perdas, de morte, de solidão e de sonho. Falar do que se passa dentro deles e no entorno. Com o Espanca! não foi diferente. Mas, em vez de escolher um ou dois temas, o grupo se dispôs a desenvolver todos, ao mesmo tempo. O resultado é uma dramaturgia multifacetada, conforme foi descrito acima, e que tem como trunfo a poesia.

O grupo colocou todos os temas em seu cadinho alquímico e elaborou um espetáculo que supera o simples retrato, tão comum na cena atual. Mais do que um espelho que denuncia a todo instante nossas deformações, uma obra que reflete o que há por trás do espelho, por trás do retrato, dos muros, das cercas elétricas. E, se não bastasse, oferece ainda uma saída poética.

Nessa estrada, ao lirismo de Por Elise caminham também Encontros depois da chuva, da Cia Stravaganza, de Porto Alegre; Cantos periféricos, do Teatro da Conspiração, de Santo André, e Papo de anjo, do Galpão Cine Horto, de Belo Horizonte, para citar apenas alguns. É sintomático que muitos trabalhos desse tipo ocorram fora do eixo Rio-São Paulo e sejam realizados por companhias iniciantes e/ou vinculadas à pesquisa. A renovação do teatro, ou seu arejamento, cabe a elas mais do que aos grupos estabelecidos e aos nomes já consagrados.

No jogo do leitor/espectador com o texto, proposto por Ryngaert, Por Elise resiste. Resiste como texto poético, como retrato do homem e das relações humanas contemporâneas, lançando um olhar sui generis sobre a realidade. Amoroso, sem deixar de ser crítico. Agudo, sem deixar de ser lírico. Um olhar que espanca, mas espanca doce.


(Uma nova edição do livro foi publicada recentemente pela editora Cobogó.)





segunda-feira, 6 de outubro de 2014

"Sônia Guedes: chá das cinco" - Apresentação do livro

Curiosamente, a Apresentação de um trabalho é feita depois de todo ele escrito. Dessa forma, primeiro temos uma visão geral do conteúdo para, só depois, apresentá-lo com certa propriedade.

Concluídas as entrevistas, feitas as pesquisas e terminado o processo de escrita deste livro, componho uma imagem de seu conteúdo, ou seja, de Sônia Guedes, que é feita de pura poesia. Desde o primeiro encontro, no qual ela me ofereceu o famoso chá das cinco, servido em xícaras de porcelana e com direito a bolo, até nossa conversa mais recente, ela foi de uma delicadeza ímpar.

Isso não indica, absolutamente, fragilidade. Sônia reúne ao mesmo tempo doçura e força. Nos momentos em que as confissões eram doloridas ou que a fase em que se encontrava não era das mais confortáveis, ainda assim era possível identificar o vulcão, o relâmpago, a determinação incansável. Não fosse isso, ela não teria enfrentado um sem número de dificuldades físicas e materiais em sua vida. Vive-se com delicadeza e poesia, mas isso não basta.

Dona de uma cultura invejável, ela é capaz de transitar com propriedade por entre os mais diversos assuntos. Leitora voraz, acompanha e discute os últimos lançamentos literários. Pianista e cantora, tem na música erudita e na ópera suas principais referências. E como cidadã, reflete a todo momento sobre a situação política do país, numa insatisfação permanente, que é ao mesmo tempo freio e motor. Freio porque as injustiças sociais ferem profundamente a artista. Motor porque, instalada a revolta, Sonia não se contenta em reclamar, arregaça as mangas e toma a frente de ações concretas. Sempre foi assim.

Portanto, conhecer pessoalmente essa grande atriz foi um privilégio. Comecei a participar da vida teatral do ABC paulista nos anos oitenta e, desde o princípio, o nome de Sônia Guedes esteve presente como referência para todos nós. Ela e outros pioneiros foram os responsáveis por elevar os padrões artísticos da região. Se hoje podemos contar com escolas de formação musical, teatral e de artes visuais, muito se deve ao empenho daquelas pessoas que, desde os idos de 1950 buscaram estudo, aperfeiçoamento e desenvolvimento na “capital” e lutaram por trazê-los às cidades periféricas.

Para a compreensão desses fatos e a realização deste perfil contei com o auxílio de dois livros de José Armando Pereira da Silva, pesquisador da arte e da cultura do ABC: Memórias da cidade III e A cena brasileira em Santo André. Neles, o autor traça um panorama do teatro na cidade, o que permitiu também o estudo do contexto de alguns trabalhos de Sônia Guedes.


Ela nos convida agora a tomar um chá em sua companhia. Coloca generosamente diante de nós uma gama de sabores e perfumes, por vezes contrastantes, como o são delicadeza e força, paixão e sossego, brisa e furacão. Convida-nos a compartilhar com ela suas lembranças e inquietações mais profundas, traçando conosco, a quatro mãos, os versos mais puros da poesia da vida.


Manhã de autógrafos na Livraria Alpharrabio - Santo André
(Arquivo pessoal)


https://www.youtube.com/watch?v=_AM9TZ_nKqU


Para baixar gratuitamente o livro completo em pdf, acessar:
http://livraria.imprensaoficial.com.br/sonia-guedes-cha-das-cinco-colec-o-aplauso-perfil.html