Nos Ateliês de Dramaturgia, de Memórias e de Escrita Criativa que conduzo abro cada vez mais espaço para os ciclos de evolução. Trata-se de um estudo complementar ao da trajetória do herói e toma como referência, além de Vladimir Propp e de Joseph Campbell, conteúdos da Psicologia, da Antroposofia e da Astrologia. Dentre os títulos dessa última área, destaco Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento, de Alexander Ruperti, que apresento de modo sucinto nessa postagem.
Em
nosso trato com a experiência humana compartilhada no teatro ou na literatura,
o modo como pensamos, sentimos e agimos nas diferentes fases da vida constitui
matéria essencial de estudo. Uma criança ou um adolescente, por exemplo, têm
pulsões que movem seu comportamento de maneira diferente do adulto. À leveza da
jovem enamorada se contrapõe o peso de sua ama, conhecedora das armadilhas do
coração. A grande sabedoria do velho, acumulada em toda uma vida de ação e de
observação, está contida num corpo quase imóvel – a ele recorrem os que estão
em movimento, os que estão em busca do conhecimento. No teatro nô, por sua vez, o sábio é aquele que se desprendeu de vínculos e peregrina - é ele quem encontra os que estão imobilizados em situações de conflito e trata de auxiliá-los.
Cada fase apresenta desafios a serem vencidos, força equivalente para superá-los e as consequentes conquistas, que nos habilitarão para o ingresso em nova fase. Para isso não estamos sozinhos - ao menos é o que esperamos. Contaremos com nossos pares a atuarem como espelho, mas também com aqueles e aquelas que, mais experientes, dão seu testemunho de superação. Em outros momentos, será a nossa vez de oferecer o mesmo suporte. A cada fase vivida, ganhamos algo e abrimos mão de um outro tanto, o que determina modificações em nosso modo de sentir, de nos expressarmos, de agirmos e de percebermos o mundo à nossa volta e dentro de nós.
Cada fase apresenta desafios a serem vencidos, força equivalente para superá-los e as consequentes conquistas, que nos habilitarão para o ingresso em nova fase. Para isso não estamos sozinhos - ao menos é o que esperamos. Contaremos com nossos pares a atuarem como espelho, mas também com aqueles e aquelas que, mais experientes, dão seu testemunho de superação. Em outros momentos, será a nossa vez de oferecer o mesmo suporte. A cada fase vivida, ganhamos algo e abrimos mão de um outro tanto, o que determina modificações em nosso modo de sentir, de nos expressarmos, de agirmos e de percebermos o mundo à nossa volta e dentro de nós.
Em
outras palavras, existe um certo padrão – correspondente a aspectos
psicológicos e também fisiológicos. Embora supostamente comum a todos, o padrão atua, na verdade, como simples referência, pois ganha
complexidade na medida em que seus elementos básicos são subvertidos, cruzados ou articulados
a outros relativos ao tempo, ao espaço, à sociedade, à cultura, etc. Se a esses aspectos todos acrescentarmos a influência dos planetas, teremos uma outra dimensão a explorar.
Não se trata de estabelecer o mapa astral dos personagens, analisar seus signos solar e ascendente ou algo parecido, mas de acrescentar ao estudo dos padrões, por exemplo, os ciclos etários (ou setênios) descritos por Ruperti e também o modo como o ciclo de cada planeta pode interferir na trajetória individual.
Ciclos
Alexander Ruperti (1913/Alemanha - 1998/Suíça) Astrólogo e idealizador da Astrologia Humanista |
Não se trata de estabelecer o mapa astral dos personagens, analisar seus signos solar e ascendente ou algo parecido, mas de acrescentar ao estudo dos padrões, por exemplo, os ciclos etários (ou setênios) descritos por Ruperti e também o modo como o ciclo de cada planeta pode interferir na trajetória individual.
Ciclos
"De 0 a 7 anos: Nível Orgânico - Desenvolvimento do corpo, de
seus órgãos e de seus reflexos psíquicos. Ajustamento básico às pressões
exteriores, especialmente no âmbito da família (...) A influência de
fatores ausentes é igualmente importante para o desenvolvimento posterior da
criança. Assim como a falta de cálcio durante este período inibirá o
desenvolvimento de ossos retos e fortes, a falta de amor inibirá o
desenvolvimento da capacidade de amar dessa criança. O adulto que passa pela
vida procurando uma mãe provavelmente não teve a experiência de ser bem
cuidado nessa fase." (RUPERTI, 1991, p. 49)
“De 21 a 28 anos: Nível Sócio-Cultural – Escolha da companhia e
do próprio tipo de participação social. Estabelecimento da atitude básica para
com os frutos do passado pessoal e sociocultural. Rebelião contra a família
e/ou contra a sociedade. (...) Astrologicamente, este período de 7 anos está
ligado à primeira quadratura minguante de Saturno e à quadratura crescente de
Urano, que abre a quarta fase do ciclo uraniano. O último aspecto coincide com
o esforço de penetrar (quadratura crescente) no mundo profissional, comercial e
cultural e se enquadrar, da melhor forma possível, na vida da comunidade a que
o indivíduo pertence. Por outro lado, o aspecto de Saturno aponta a necessidade
do jovem de separar-se do passado (quadratura minguante) e das atitudes que
foram baseadas na vida despreocupada, típica dos anos escolares.” (Idem, p. 53-54)
O deus Júpiter em representação Art Nouveau |
“De 49 a 56 anos: Nível Psicológico – Educação dos outros. Maior
responsabilidade social. Negativamente, rigidez mental devida à incapacidade de
mudar a atitude-vida e o comportamento adotados. (...) No 50º ano, Urano entra
na 8ª fase do seu ciclo – a fase regenerativa. Isto poderá determinar experiência
ocultas profundas. A crise mental-psicológica dos quarenta anos torna-se agora
uma crise biológica. Durante este período a pessoa vê os resultados concretos
de tudo aquilo que ocorreu no ponto médio da faixa dos quarenta anos. Se ela não
é bem-sucedida no que se refere a enfrentar construtivamente os obstáculos físicos
iminentes ou as obstruções psicológicas consequentes do seu fracasso na
tentativa de tornar-se uma personalidade integrada, então ela experimentará
agora uma cristalização gradual daquelas atitudes e crenças psicológicas e
sociais estabelecidas, que não teve a vontade interior de modificar. Ela se tornará
‘velha demais para mudar’.”(Idem, p. 63-64)
“De 63 a 70 anos: Nível do Corpo ou Orgânico. Preparação para a ‘vida
futura’ ou senilidade. Irradiação da sabedoria ou, negativamente, sentimento de
tédio, de vazio, de futilidade. Condução da vida para algum tipo de consumação
da semente. (...) A quadratura crescente de Saturno por volta dos 66-70 anos de
idade pode significar uma nova e grande aventura nos domínios espirituais. Se,
por outro lado, a pessoa não tem nada de positivo para oferecer à sociedade ou
não está aberta para novos domínios de consciência, então o processo de cristalização
do corpo e a diminuição da vitalidade assumirão uma força adicional. (...) O
homem envelhece porque já não tem interesse na vida – por causa de um
sentimento de fracasso no que se refere a realizar qualquer colheita de valor
por meio da experiência pessoal. (...) A morte saturniana é o resultado lento
de uma cristalização progressiva das estruturas corporais e psíquicas que se tornaram
cada vez mais rígidas e têm um conteúdo espiritual cada vez menor. Isto significa
morte em automatismo, inexpressividade ou senilidade. (Idem, p. 67-68)
O deus Saturno em gravura de 1533 Acervo do Museu Britânico |
Os capítulos seguintes são dedicados aos planetas e seus ciclos – Sol-Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Se lembrarmos da deusa e dos deuses a que eles se referem, teremos já uma ideia dos arquétipos representados e suas manifestações. Ruperti apresenta cada um deles particularmente, bem como sua presença nas doze casas de um mapa de nascimento. Trata-se de um estudo profundo e que guarda semelhança com os modelos actanciais referentes à dramaturgia e à literatura.
Os ciclos planetários gerais e sua passagem particular pelo mapa de cada indivíduo são, quase sempre, geradores de crises que, tal como o conflito no teatro (e na vida), representam vetores de transformação. E mesmo que o teatro ocidental de nosso tempo opere com a dissolução do personagem, com a recusa à trajetória como abordada em Ruperti e nos demais pesquisadores de nossa bibliografia, vale lembrar que todos esses estudos sugerem um eixo e é dele que se pode fugir. É ele também que tomamos como referência, muitas vezes intuitiva, justamente para observar, fruir e compreender os desvios e as subversões, sejam eles artísticos ou não.
*
Haveria muito que comentar a respeito de Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento, algo impossível no âmbito dessa postagem. Sugiro a quem se interessar uma série de livros e vídeos sobre o tema, bem como sobre as trajetórias abordadas em Propp, Campbell e Jung, entre outros.
Adélia Nicolete
Referências bibliográficas e videográficas
Sobre os ciclos e setênios:
Sobre os ciclos e setênios:
BURKHARD, Gudrun. As forças zodiacais: sua atuação na alma humana. São Paulo: Antroposófica, 1998.
______. Bases antroposóficas da metodologia biográfica: a biografia diurna. São Paulo: Antroposófica, 2002.
DIONE, A. Jung e astrologia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
HILMANN, James. A força do caráter. São Paulo: Objetiva, 2001.
JOHNSON, R.A. e RUHL, J. M. Viver a vida não vivida: a arte de lidar com sonhos não realizados e cumprir o seu propósito na segunda metade da vida. Trad. de M.G. da Cruz. Petrópolis: Vozes, 2010. (Coleção Reflexões Junguianas)
JOHNSON, R.A. e RUHL, J. M. Viver a vida não vivida: a arte de lidar com sonhos não realizados e cumprir o seu propósito na segunda metade da vida. Trad. de M.G. da Cruz. Petrópolis: Vozes, 2010. (Coleção Reflexões Junguianas)
RUPERTI, Alexander. Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento. Trad. de Maio Miranda. São Paulo: Pensamento, 1991.
*
Sobre modelos actanciais:
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. Trad. de H. Osakape e I. Bilkstein. São Paulo: Cultrix, 1973.
SOURIAU. Étienne. As duzentas mil situações dramáticas. Trad. de M. L. Pereira e A. E. cadengue. São Paulo: Ática, 1993.
UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. Trad. de J. Simões. São Paulo: Perspectiva, 2005.
* Sobre as trajetórias heróicas:
Morfologia do conto maravilhoso, livro de Vladimir Propp, pode ser acessado nesse link.
O poder do mito, livro de Joseph Campbell, pode ser acessado nesse link.
A sequência de vídeos com a entrevista de Joseph Campbell a Bill Moyers e que originou a publicação de O poder do mito, pode ser encontrada nos links abaixo:
O heroi de mil faces, livro de Joseph Campbell, pode encontrado nesse link.
A sequência de vídeos da Nova Acrópole com a professora Lúcia Helena Galvão a comentar os capítulos de O heroi de mil faces pode ser acessada nos links abaixo:
O homem e seus símbolos, livro organizado por Carl Gustav Jung, pode ser encontrado nesse link.
Adélia que lindo isso tudo! Que maneira generosa de apontar caminhos essa sua.
ResponderExcluirTe agradeço a postagem, os links e a bibliografia.
Penso em você sempre que escrevo alguma postagem. Sem mais. s2
Excluir