Anton Barichievich - Cartão promocional - sem data The Great Antonio Collection, Darling Foundry, Montreal |
Para Ana Paula Patrone
e seu amor pelas colagens
Tão logo avistei as colagens d'O Grande Antonio nas paredes do American Folk Art Museum, fui atirada aos tempos do colégio.
Ana Paula Patrone - Colagem em capa de pasta escolar - 1998 (acervo da artista) |
Por isso, à medida
que apreciava os cartões e pôsteres do artista, compunha um seu retrato, confirmado
depois no catálogo da exposição, conforme relato a seguir.
Há indícios
de que Anton Barichievich tenha nascido na Croácia em 1925. Durante a Segunda Guerra Mundial o exército
britânico o recrutou em Albania, onde fazia trabalhos forçados, e o enviou para
a Inglaterra, de onde imigrou para o Canadá em 1945 a fim de trabalhar nas
docas de Montreal.
A força
física daquele homem de 200 quilos ficou famosa a ponto de iniciá-lo na carreira de lutador profissional. Nascia ali O Grande Antonio. O personagem
ganhou fama no decorrer de suas performances e foi imortalizado em uma série de
colagens que ele mesmo fazia e vendia para o público, evocando suas gloriosas
conquistas.
Anton Barichievich - Cartão promocional em que se mostra o lutador quando jovem The Great Antonio Collection, Darling Foundry, Montreal |
Quando mais
velho e longe dos ringues, era nas ruas de Montreal que O Grande Antonio exibia
seus dotes. Desfilava para os transeuntes, carregava ou puxava pesos
descomunais e até cantava ópera.
O Grande Antonio em uma de suas demonstrações de força |
O Grande Antonio - exibição de força em 1978 Nos anos 1960 alcançou o recorde mundial ao puxar quatro ônibus urbanos de uma só vez |
Famoso em
Montreal, mesmo depois de sua morte em 2003, “O Grande Antonio se tornou objeto
de numerosos artigos de jornais e revistas, os quais ele recortava e usava como
base em seus trabalhos de colagem.” * Eram fragmentos de textos e de manchetes,
combinados em frases superlativas, cujo objetivo era engrandecer ainda mais sua
figura e garantir para si um lugar na História.
“Tais aglomerados
multilinguísticos e tipográficos, sem gramática específica ou hierarquia, provocavam
uma leitura errática. Ele tomou emprestadas as estratégias de manchetes
sensacionalistas da imprensa popular, que prendem de imediato a atenção do
leitor, enquanto transmitem a essência da mensagem de modo sucinto.” *
Com o passar
do tempo, Antônio modificou sua técnica ao justapor camadas sucessivas de texto, o que
eventualmente obscurecia os retratos originais. Além disso, retrabalhava constantemente
suas colagens, tanto que algumas chegaram
a ter mais de vinte versões.
Anton Barichievich - Cartão promocional - sem data The Great Antonio Collection, Darling Foundry, Montreal |
“Sempre um
hábil showman, ele maravilhava as
multidões com sua personalidade carismática: pintava as unhas de vermelho, portava
uma corrente de 22 quilos ao redor de
seu pescoço, e se vestia em trapos peculiares.” * E mesmo quando envelheceu, tentou bater um novo
recorde: o de comprimento de cabelo com seus longos dreadlocks.
O Grande Antonio em seu apartamento - 1976 |
Interessa-nos
duplamente a figura criada por Anton Barichievich: o performer e o artista plástico
em atuação combinada. As colagens, à primeira vista tão somente autopromocionais,
são composições intrincadas que ultrapassam o arranjo texto-imagem para
alcançar o retrato. A leitura dessas obras não se limita à apreciação dos
recortes, pois nos apresentam um texto a pedir decodificação. Em cada uma das assemblages, Barichievich nos apresenta
seu personagem de múltiplas formas, o que equivale dizer que os cartões são um
complemento da performance, ou melhor, são um encarte, um libreto que “não pode ser vendido
separadamente”.
Sem suas colagens, O Grande Antonio seria apenas mais uma
criatura a sobreviver na metrópole.
Retomo a
memória das pastas e cadernos adolescentes e vejo o quanto suas colagens nos
ajudavam a compor a nós mesmas e à nossa performance ainda em processo.
Ana Paula Patrone - fragmento de colagem em pasta escolar - 1998 (Acervo da artista) |
Adélia Nicolete
* MORIN, Viviane Morin, ROUSSEAU, Valérie. Anton “O Grande Antônio” Barichievich. In: AMERICAN FOLK ART MUSEUM. When the curtain never comes down : performance art and the alter ego. New York: American Folk Art Museum, 2015. p. 30-31 (Tradução de Bernardo Abreu)
Biografia do performer por Sylvain Laquerre |
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