sexta-feira, 28 de setembro de 2018

"Se essa rua fosse minha" - questões de gênero e abuso no teatro para a infância





Será que existe mesmo brincadeira só de menina ou de menino? E profissão de homem e de mulher tem muita diferença? Em casa, quem sai para trabalhar fora e quem faz o trabalho doméstico? Tais perguntas povoam cada dia mais o nosso cotidiano, assim como outras do tipo Quem pode tocar o corpo de uma criança? A quem ela pode recorrer no caso de se sentir desrespeitada?

No ano de 2007 fui convidada pela dramaturga e diretora Solange Dias a integrar, junto ao Teatro da Conspiração, um projeto vinculado à Secretaria de Saúde do município de Diadema, na Grande São Paulo. O objetivo era abordar alguns temas por meio do teatro e, com isso, despertar o interesse da população para discussões e ações a curto e médio prazo. Um dos temas era o abuso infantil, bastante presente naquela cidade. A equipe pretendia que, ao assistirem a encenação e depois conversarem a respeito com professoras e professores, as crianças encontrassem neles uma figura de apoio e referência.

No texto escrito por mim para fins didáticos e levado à cena pelo Teatro da Conspiração naquele mesmo ano, três crianças passam a tarde em brincadeiras: oportunidade para que venham à tona preconceitos, questões de gênero e, muito sutilmente, o abuso infantil – sua ocorrência, as tentativas de silenciamento e as opções de denúncia. De acordo com o perfil do grupo, os papeis podem ser desdobrados ou, em certos casos, interpretados por várias atrizes e atores, por alunas e alunos, entre outras adequações/apropriações. Penso que o mais importante são as questões geradas no processo de montagem e, sem dúvida, com o público após as apresentações.

“Se essa rua fosse minha” encontra-se disponível nesse link para download gratuito. Caso haja interesse na encenação, basta entrar em contato com a autora. Os direitos estão liberados para apresentações em escolas ou quaisquer propostas sem fins lucrativos.

Adélia Nicolete

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

"O que os meninos pensam delas?" - teatro para adolescentes





Em meados dos anos 1990, fui desafiada por dois amigos a levar para a cena o triângulo amoroso entre Arlequim, Pierrô e Colombina. A ideia era algo romântico e em versos para que pudessem exercitar a commedia dell’arte e levantar o espetáculo com apenas três intérpretes (leia-se poucos recursos). Não me lembro por quais motivos – quem sabe a incompetência da dramaturga tenha sido um deles? – a adaptação nunca foi feita. Acontece que a semente acabou por germinar num outro texto anos depois, “O que os meninos pensam delas?”, dirigida ao público juvenil, onde pude abordar os dilemas amorosos próprios da fase, a amizade, a relação entre irmãos e também a influência dos meios de comunicação de massa. Reluto em classificar como comédia, pois temo que a encenação exagere e resulte em algo caricato. Digamos que seja uma peça leve, a contrastar com o peso das emoções juvenis.

Para minha alegria, esse triângulo amoroso já teve encenações em todo Brasil e, embora tenha sido escrito na era pré-internet, telefone celular e redes sociais, parece falar de perto a um bom número de jovens. Costumo dizer a quem me procura que “O que os meninos pensam delas?” pode ser usado apenas como um disparador para a criação das próprias cenas do grupo. Pode ser usado em partes, pode ganhar um antes e um depois, pode acolher questões raciais, de classe, de gênero – como foi para mim um disparador a relação entre Arlequim, Pierrô e Colombina.

Fundação das Artes de São Caetano do Sul
Encontro com o elenco dirigido pela professora Paula Venâncio
setembro 2018


Nesse link você encontra o texto na íntegra e caso queira encená-lo ou tomá-lo como base para um trabalho com jovens em ambiente escolar ou amador, pode fazê-lo gratuitamente. Peço apenas que entre em contato comigo para que eu saiba por onde têm voado minhas letrinhas.

Adélia Nicolete


 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Dona Bem, guardiã da memória - Parte II: caverna do tesouro


Dos meus livros de infância, um dos preferidos era “As mais belas histórias”, organizado por Lúcia Monteiro Casasanta. Nele eu encontrava Esopo, irmãos Grimm, Andersen, mas também mitologia e alguns autores brasileiros. Lia e relia, sempre com interesse renovado. As histórias alimentavam-me a alma e, hoje sei, o imaginário. Tanto que, ao visitar o “Cantinho da Vovó Bem” lá em Poconé, tive a impressão de adentrar na caverna de Ali Babá!

Uma das salas do museu domiciliar de Dona Bem
(Foto: internet)

Ali estão guardados tesouros recolhidos durante décadas. Objetos de família a registrar artes e ofícios, hábitos e costumes da vida pantaneira. Outros foram trazidos por amigos ou garimpados nas fazendas e na vizinhança, graças a indicações: “Dona bem, em tal lugar tem coisa pro seu museu!”. E lá vai a colecionadora buscar e salvaguardar do esquecimento.

O hábito pantaneiro do guaraná em pó e
os apetrechos utilizados para consumo em casa e
nas viagens
(Foto: internet)

Louças antigas
(Foto: internet)

A princípio o acervo estava disposto de modo informal e intuitivo. Depois de alguns anos de atendimento, porém, ao receber a visita de representantes do Cadastro Nacional de Museus, a exposição foi organizada por grupos de objetos e dividida em dois ambientes.

No primeiro plano, a prensa de modelar ladrilhos hidráulicos
(Foto: internet)

A área que abriga os objetos da cozinha pantaneira
(Foto: Adélia Nicolete)

Não se trata de um museu nos padrões consagrados, pois ali não encontramos legendas ou placas de identificação. Talvez seja essa a maior motivação para se conhecer o espaço: ali tudo ganha vida e sentido pela voz de Dona Bem. O percurso que ela tanto conhece, as histórias ligadas a cada objeto – sua origem, sua utilização, as circunstâncias que o levaram até ali – as comparações entre hoje e os antigamentes só podem ser conhecidos na relação, no diálogo com a colecionadora. Não fosse assim, tudo se transformaria em coisa velha, todo o tesouro de Ali Babá perderia o brilho aberta a caverna.

(Foto: Adélia Nicolete)

Iniciativas como o Cantinho da Vovó Bem precisam ser conhecidas e divulgadas. Sinalizam o esforço pessoal de preservação da memória não só pela conservação material, mas pelo convívio com testemunhas de outros tempos. Ali se dá o diálogo vivo entre passado e presente, entre memória e História, para além do poder público, das burocracias, da máquina que dificulta a composição e a manutenção de acervos a ponto de incendiá-los.

Adélia Nicolete

Veja aqui a postagem anterior e saiba mais sobre Vovó Bem e como chegar ao seu Cantinho.