O artista plástico Eymard Brandão em seu ateliê em Nova Lima Foto: Thiago Fernandes |
Ao receber o convite para conduzir a abertura do Ateliê de Dramaturgia do Galpão Cine Horto, considerei propor uma atividade semelhante às que desenvolvi em minha pesquisa para o doutoramento. Sua base é o diálogo estreito da escrita com as artes plásticas, o que atesta a originalidade da proposta tanto quanto justifica, entre nós, o uso do termo Ateliê em vez do tradicional Oficina – um espaço de criação artística, proporcionada pelo contato com a materialidade da tinta na tela, da pedra, da palavra.
Considerei também o quanto seria motivador o trabalho com a obra de algum artista que eu mesma desconhecesse e, por esse motivo, cheguei a Eymard Brandão, mineiro de Belo Horizonte, nascido em 1946 e morador dos arredores da cidade. Tanto quanto os aspectos estéticos da produção, o que me fez decidir pelo seu nome foi a pesquisa atual, feita a partir de resíduos minerais que o artista transforma em matéria prima. Eymard tem registrado as mudanças e também o impacto ambiental causados pelas grandes mineradoras na paisagem de seu Estado, algo que considerei bastante sugestivo no campo da dramaturgia.
Obra de Eymard Brandão analisada pelo grupo |
Assim, em linhas bastante gerais, depois da apreciação coletiva de uma obra feita pelo grupo, e da apresentação
do artista, de parte do acervo e de suas inquietações, a primeira camada sugerida
para reflexão foi quais são os resíduos com que opera o dramaturgo hoje? Resíduos
de linguagem, de relações, de crenças e narrativas, por exemplo? Resíduos da própria
forma de se fazer teatro ou se escrever para?
A segunda
camada implicaria em analisar os resíduos referentes à geografia do grupo: com
que resíduos de mineiridade trabalha-se agora? A modificação da paisagem interna
mineira e seus reflexos na dramaturgia. Dito de outro modo, o que as Minas
Gerais de hoje conserva daquilo que a caracterizou ou ainda caracteriza aos
olhos do estrangeiro: religiosidade, hospitalidade, oralidade, boa mesa, literatura.
O que disso tudo ainda é e o que já virou resíduo a ser trazido à cena?
O fato
de o grupo constituir-se de dramaturgos já experientes, deu-me a liberdade de
tornar ainda mais complexa a proposição, ao partir para uma terceira camada, a
de minhas inquietações recentes acerca de dramaturgia e memória. Desse modo, a
questão colocada disse respeito à elaboração do pensamento de personagens atravessados
pela velocidade, pela imediatez e pela superficialidade atuais, assim como pela
substituição acelerada de experiências que não chegam a constituir-se em
memória propriamente dita, mas em impressões até certo ponto voláteis. Como se
pode dar uma transmissão de experiência ou a comunicação entre essas figuras? Na
tentativa de apresentar algo concreto com que se trabalhar essa articulação,
sugeri uma passagem da bíblia, a da multiplicação dos pães e dos peixes, tradicional
e amplamente conhecida (de pronta recordação), fechada em uma unidade de ação e
de sentido, simples, clara e direta. Como cada personagem/narrador poderia
recuperar e transmitir essa tal situação – ouvida, sonhada ou vivida?
Finalmente,
foi sugerida um camada que dissesse respeito ao narrador, já que a proposta
seria a da elaboração de um episódio narrado. Tal narrador seria definido não a
partir das motivações internas de cada participante, mas de um contato com a
realidade externa, abrindo espaço para o acaso na criação. Os dramaturgos teriam um tempo para percorrer o entorno do
Galpão Cine Horto e, a partir de observação atenta, identificar alguma pessoa capaz de inspirar um personagem encarregado da manifestação.
Submersos
em todas essas camadas, acrescidas dos elementos levantados na apreciação
coletiva da obra, aos dramaturgos foi dado um tempo para que criassem uma
narrativa breve, centrada no personagem escolhido e que contivesse, de algum
modo, a memória da passagem bíblica.
Brotaram
daí onze materiais textuais atravessados pelas artes de Eymard Brandão; por reflexões acerca de
memória, geografia e pertencimento; pelos materiais residuais de forma e
conteúdo, assim como pelas inquietações da cena contemporânea e daqueles que
fazem o teatro (de) hoje.
Assis Benevenuto, Marcos Coletta (Galpão Cine Horto), eu, Vinícius Souza e Leonardo Lessa (Galpão Cine Horto) Inhotim - agosto de 2014 |
Agradeço ao Vinícius Souza e ao Assis Benevenuto pelo convite, pela imersão e pela diversão; à equipe do Galpão Cine Horto pela recepção invariavelmente
calorosa e, sobretudo, aos dramaturgos do projeto, pelo generoso "sim".
Boas escritas!
para saber mais sobre Eymard Brandão e seu trabalho, acessar:
http://www.eymardbrandao.com.br
Nada mais gostoso para quem acompanha, perto e longe, quando o filho parido começa a caminhar pelas próprias pernas, trazer amiguinhos e ainda sair para passear. É uma alegria ver que o trabalho sério, conquistado por esforço e dedicação, ganha espaço e reconhecimento; mais importante ainda, ver resultados! Ver a criatividade brotar é algo misterioso, diria em alguns contextos, pura alquimia! Celebremos!! Abraços pra todos dessa jornada!! :-) Elaine Bombicini
ResponderExcluirUm encontro bastante rico, Elaine, com essa turma. Ressoará em outros trabalhos meus e espero que nos deles também! Beijos!
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